“Os tais 140 caracteres refletem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido.” (José Saramago)
Olha, eu sempre via as discussões falando mal da internet, da linguagem da internet, da redução das palavras na internet e achava os argumentos válidos, ao mesmo tempo que sentia que havia alguma coisa errada.
Aí li uma entrevista do Cristovão Tezza, onde ele diz que agora as pessoas lêem e escrevem como há muito não faziam. Como a minha geração na fazia, como a geração dele não fazia. Eu escrevia longas cartas na adolescência, que ficaram mais curtas com e-mail e ainda mais com msn e twitter; ao mesmo tempo, quantos mais escreviam? Gostar de escrever cartas tinha o sério problema de que eu raramente encontrava alguém disposto a fazer o mesmo. Até pessoas que se diziam escritores/poetas/letrados, na hora de escrever para mim eram formais, lacônicas e não tinham a menor intimidade com a escrita.
Não sejamos tão idealistas. Livros são melhores, mas eram realmente populares? As pessoas que estão escrevendo em 140 caracteres, estão deixando de ler por causa da internet? Elas são leitores roubados? Será que estão emburrecendo ou tendo um contato com a escrita que de outra forma não teriam? Isso me soa muito mais nostalgia à uma alta cultura aristocrática, que sempre existiu mais na cabeça de meia dúzia do que na realidade.
Bom, eu poderia fazer igual ao velho Leão da Montanha dos desenhos da minha infância (que não tinha internet e a programação da tv era limitável e péssima), e sair pela esquerda de fininho, dizendo que a opinião aí de cima é de uma velhinho que já morreu. Mudei muito meu conceito da internet nos ultimos dois anos. Achava-a emburrecedora, tola e sem propósito, que, à maneira do telefone celular, veio para trazer problemas sérios que ainda não tínhamos, e quase nenhum benefício. Ficava longuíssimos minutos diante a tela, tentando reproduzir o tezão unânime de uma população mundial que já injetara o costume do universo virtual na veia, e não sabia O QUE CONSULTAR. Por puro tédio, visitava sites pornôs; depois, entrei na fase "serial killers", me tornando espeialista no assunto em poucas semanas. Ainda hoje, tirando os blogs que frequento, fico como o eterno suicida desamparado no parapeito da ponte, olhando a tela sem saber onde ir.
Minha visão mudou um pouco. Talvez a grande revolução mesmo da net seja o potencial social inacreditável, com as redes de relacionamento. Por um tempo acreditei que a revolução era a boa arte e a boa música (principalmente) estar acessível a todos. Hoje ouço música que eu nunca esperava ouvir, só namorava o conhecimento que outros tinham dela. Mas me dissuadí logo dessa opinião. A popularização da música só abarrotou os cpus de discografias infinitas, sem que se tenha um público devotado que tenha tempo para usufluí-la. (cont.)
Tenho tanta coisa na memória de meu notebook (como todo mundo!) e não aproveito 10%. Hoje mesmo acabo de baixar uma banda que só iniciados escutavam nos 80, OMD. Quem garante que vou ouvir. Perdeu o afã e o sentido da coisa. A net veio confirmar uma teoria só levantada no silêncio: que a cultura e o gosto estão diretamente condicionados à seletividade e a lentidão. Ter tudo para ouvir só gerou uma estenuação cuja consequência última é trabalhar em favor da perda do gosto. Há algo ritualístico em comprar um disco, ouvi-lo com os amigos e dedicar-se dois meses a aprende-lo nota a nota _ como eu fazia na adolescência. Tenho tudo do Mahler aqui, mas como ouví-lo se tudo do Brahms está me esperando livre e apanhável no éter dos cabos óticos, e assim por diante.
Sobre "as pessoas estão lendo mais hoje", concordo. Mas lendo o que? (to be continued)
A linguagem dos sinais empregada no orkut, msn, e sei lá mais o quê (nunca cheguei a entender). Outro dia _ e isso confirma, aqui, de supetão, um dos benefícios da net: o conhecimento do que outros escrevem de valor_ juro que me lembrei de um texto seu (Fernanda) em que vc como que lamenta o fim da letra cursiva. Tive que escrever um texto a mão e, meu Deus, senti que os músculos destinados à caligrafia estão se atrofiando no curso da adaptação evolutiva da nossa espécie. Mal consegui firmar a caneta, e minha letra (sem modéstia) que tinha-a bonita, estava péssima, como se escrevesse com a mão errada.
Mas... perdi o curso da meada. Bom: a net não é ruim. Substitui a televisão no cotidiano das pessoas, em algumas horas do dia, mas, definitivamente, estou longe de acreditar que vai tornar as pessoas mais cultas. E acho que o propósito do Saramago não foi o de lamentar o desvio de possíveis leitores de seus livros para o computador. Acho que ele expressou uma tendência lamentável, que não tem como negar que exista, que é a da banalizaçao ainda maior do idioma nos códigos cifrados do twitter. Lembre-se que ele mesmo tinha um blog, mostrando que não era um ranheta defensor do conservadorismo na escrita.
Bom, estou no meio da faxina da casa (pergunto à minha esposa se até o Eric entrar na universidade seu resguardo terá acabado, para me ajudar numa tarefa que ela se nega a oferecer para uma doméstica semanal, pois na cabeça dela sou mais bonito que o Brad Pitt e o homem mais irresistível do mundo), e, por hora, vou ter que desconectar (só uma coisa: se há algo que lamento muitíssimo é o fim das cartas, eu as mandava para todo mundo)
Charlles, como se não bastasse aquele post do Milton sobre religião, agora esse. Tenho me sentido a própria advogada do diabo. O pessoal daquela discussão deve acreditar que sou católica fervorosa e não perco uma missa dominical; aqui, parece que acho a internet a maior e melhor revolução desde a escrita. Claro que não é nada disso, nos dois temas.
O que não gosto, apenas, são as soluções fáceis. Naquele caso, falar que a religião é ignorância e vamos aboli-la que tudo se acaba. Nesse caso do Saramago, se as pessoas escrevem em 140 caracteres é o fim dos tempos, quase um 1984. Eu também gostaria de um mundo onde as pessoas não arriscam suas vidas por crenças vencidas e que lêem e escrevem mais. Mas o mundo não é como sonhamos e temos que lidar com o que está aí, com vantagens que nem gostamos de olhar.
Deveriamos ter nos conhecido na época das cartas. Era frustrante escrever longas cartas e não ter quem que me respondesse de forma semelhante.
Mas eu entendi seu ponto de vista, mais ou menos como o meu: contra as unanimidades estabelecidas tanto a favor quanto contra. Nesse comentário do Saramago (para mim, muito bem construído em seu propósito peculiar de apenas traçar um comentário, sem consequências discursivas) há 136 caracteres. Uma prova de que em boas mãos, o formato particular de uma mídia pode oferecer muita qualidade. Há alguns meses um poeta brasileiro lançou todo um livro com poemas no formato do twitter. Talvez o twitter ainda possa até ganhar um status de peça erudita, um novo haikai. Eu evolui em muito com a net. Talvez o ranheta esteja sendo eu.
Eu mandava longas cartas para minha avó, no período de vida coincidente com a minha em que ela esteve por lá por 50 anos. Sabe que me deu uma ideia de tentar escrever sobre isso num post? Semana atrás, quando fui apresentá-la à minha filha Júlia (minha avó beirando os 90 anos), ela disse ter todas as cartas minhas. Não gostaria de lê-las.
Olha, eu sempre via as discussões falando mal da internet, da linguagem da internet, da redução das palavras na internet e achava os argumentos válidos, ao mesmo tempo que sentia que havia alguma coisa errada.
ResponderExcluirAí li uma entrevista do Cristovão Tezza, onde ele diz que agora as pessoas lêem e escrevem como há muito não faziam. Como a minha geração na fazia, como a geração dele não fazia. Eu escrevia longas cartas na adolescência, que ficaram mais curtas com e-mail e ainda mais com msn e twitter; ao mesmo tempo, quantos mais escreviam? Gostar de escrever cartas tinha o sério problema de que eu raramente encontrava alguém disposto a fazer o mesmo. Até pessoas que se diziam escritores/poetas/letrados, na hora de escrever para mim eram formais, lacônicas e não tinham a menor intimidade com a escrita.
Não sejamos tão idealistas. Livros são melhores, mas eram realmente populares? As pessoas que estão escrevendo em 140 caracteres, estão deixando de ler por causa da internet? Elas são leitores roubados? Será que estão emburrecendo ou tendo um contato com a escrita que de outra forma não teriam? Isso me soa muito mais nostalgia à uma alta cultura aristocrática, que sempre existiu mais na cabeça de meia dúzia do que na realidade.
o problema, a meu ver, é a ânsia, que se cria e se procria, em escrever. e rápido.
ResponderExcluirmas acho q inevitável e, talvez, passageiro.
Bom, eu poderia fazer igual ao velho Leão da Montanha dos desenhos da minha infância (que não tinha internet e a programação da tv era limitável e péssima), e sair pela esquerda de fininho, dizendo que a opinião aí de cima é de uma velhinho que já morreu. Mudei muito meu conceito da internet nos ultimos dois anos. Achava-a emburrecedora, tola e sem propósito, que, à maneira do telefone celular, veio para trazer problemas sérios que ainda não tínhamos, e quase nenhum benefício. Ficava longuíssimos minutos diante a tela, tentando reproduzir o tezão unânime de uma população mundial que já injetara o costume do universo virtual na veia, e não sabia O QUE CONSULTAR. Por puro tédio, visitava sites pornôs; depois, entrei na fase "serial killers", me tornando espeialista no assunto em poucas semanas. Ainda hoje, tirando os blogs que frequento, fico como o eterno suicida desamparado no parapeito da ponte, olhando a tela sem saber onde ir.
ResponderExcluirMinha visão mudou um pouco. Talvez a grande revolução mesmo da net seja o potencial social inacreditável, com as redes de relacionamento. Por um tempo acreditei que a revolução era a boa arte e a boa música (principalmente) estar acessível a todos. Hoje ouço música que eu nunca esperava ouvir, só namorava o conhecimento que outros tinham dela. Mas me dissuadí logo dessa opinião. A popularização da música só abarrotou os cpus de discografias infinitas, sem que se tenha um público devotado que tenha tempo para usufluí-la. (cont.)
Tenho tanta coisa na memória de meu notebook (como todo mundo!) e não aproveito 10%. Hoje mesmo acabo de baixar uma banda que só iniciados escutavam nos 80, OMD. Quem garante que vou ouvir. Perdeu o afã e o sentido da coisa. A net veio confirmar uma teoria só levantada no silêncio: que a cultura e o gosto estão diretamente condicionados à seletividade e a lentidão. Ter tudo para ouvir só gerou uma estenuação cuja consequência última é trabalhar em favor da perda do gosto. Há algo ritualístico em comprar um disco, ouvi-lo com os amigos e dedicar-se dois meses a aprende-lo nota a nota _ como eu fazia na adolescência. Tenho tudo do Mahler aqui, mas como ouví-lo se tudo do Brahms está me esperando livre e apanhável no éter dos cabos óticos, e assim por diante.
ResponderExcluirSobre "as pessoas estão lendo mais hoje", concordo. Mas lendo o que? (to be continued)
A linguagem dos sinais empregada no orkut, msn, e sei lá mais o quê (nunca cheguei a entender). Outro dia _ e isso confirma, aqui, de supetão, um dos benefícios da net: o conhecimento do que outros escrevem de valor_ juro que me lembrei de um texto seu (Fernanda) em que vc como que lamenta o fim da letra cursiva. Tive que escrever um texto a mão e, meu Deus, senti que os músculos destinados à caligrafia estão se atrofiando no curso da adaptação evolutiva da nossa espécie. Mal consegui firmar a caneta, e minha letra (sem modéstia) que tinha-a bonita, estava péssima, como se escrevesse com a mão errada.
ResponderExcluirMas... perdi o curso da meada. Bom: a net não é ruim. Substitui a televisão no cotidiano das pessoas, em algumas horas do dia, mas, definitivamente, estou longe de acreditar que vai tornar as pessoas mais cultas. E acho que o propósito do Saramago não foi o de lamentar o desvio de possíveis leitores de seus livros para o computador. Acho que ele expressou uma tendência lamentável, que não tem como negar que exista, que é a da banalizaçao ainda maior do idioma nos códigos cifrados do twitter. Lembre-se que ele mesmo tinha um blog, mostrando que não era um ranheta defensor do conservadorismo na escrita.
Bom, estou no meio da faxina da casa (pergunto à minha esposa se até o Eric entrar na universidade seu resguardo terá acabado, para me ajudar numa tarefa que ela se nega a oferecer para uma doméstica semanal, pois na cabeça dela sou mais bonito que o Brad Pitt e o homem mais irresistível do mundo), e, por hora, vou ter que desconectar (só uma coisa: se há algo que lamento muitíssimo é o fim das cartas, eu as mandava para todo mundo)
Charlles, como se não bastasse aquele post do Milton sobre religião, agora esse. Tenho me sentido a própria advogada do diabo. O pessoal daquela discussão deve acreditar que sou católica fervorosa e não perco uma missa dominical; aqui, parece que acho a internet a maior e melhor revolução desde a escrita. Claro que não é nada disso, nos dois temas.
ResponderExcluirO que não gosto, apenas, são as soluções fáceis. Naquele caso, falar que a religião é ignorância e vamos aboli-la que tudo se acaba. Nesse caso do Saramago, se as pessoas escrevem em 140 caracteres é o fim dos tempos, quase um 1984. Eu também gostaria de um mundo onde as pessoas não arriscam suas vidas por crenças vencidas e que lêem e escrevem mais. Mas o mundo não é como sonhamos e temos que lidar com o que está aí, com vantagens que nem gostamos de olhar.
Deveriamos ter nos conhecido na época das cartas. Era frustrante escrever longas cartas e não ter quem que me respondesse de forma semelhante.
Mas eu entendi seu ponto de vista, mais ou menos como o meu: contra as unanimidades estabelecidas tanto a favor quanto contra. Nesse comentário do Saramago (para mim, muito bem construído em seu propósito peculiar de apenas traçar um comentário, sem consequências discursivas) há 136 caracteres. Uma prova de que em boas mãos, o formato particular de uma mídia pode oferecer muita qualidade. Há alguns meses um poeta brasileiro lançou todo um livro com poemas no formato do twitter. Talvez o twitter ainda possa até ganhar um status de peça erudita, um novo haikai. Eu evolui em muito com a net. Talvez o ranheta esteja sendo eu.
ResponderExcluirEu mandava longas cartas para minha avó, no período de vida coincidente com a minha em que ela esteve por lá por 50 anos. Sabe que me deu uma ideia de tentar escrever sobre isso num post? Semana atrás, quando fui apresentá-la à minha filha Júlia (minha avó beirando os 90 anos), ela disse ter todas as cartas minhas. Não gostaria de lê-las.
(minha avó viveu 50 anos nos EUA, como exilada sentimental.)
ResponderExcluircharlles, está devendo esse post e aquele do 3º prédio, pelo menos...
ResponderExcluirFeito.
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