Os romances de Faulkner acontecem em quatro fases, cujas mudanças espontâneas e quase indistintas surgidas ao longo da narrativa são uma das excepcionais e superioras características do estranhismo de Faulkner.
A primeira fase é a da apresentação dos personagens e dos cenários, as primeiras tintas , respectivamente, de suas maldições históricas e da natureza indomesticável avessa à presença do homem;
A segunda a inter-relação dos personagens entre si e destes com a natureza espacial mítica criada pelo autor;
A terceira, que tem a enganosa aparência de ser mais importante que as outras (tudo em Faulkner se complementa com o mesmo grau de relevância), é quando tudo se reviravolta e ganha rumos inesperados, quando as certezas estabelecidas com as quais o leitor tem a sensação de firmar o olhar seguro são desfeitas e o enredo passa a transitar por passagens surpreendentes, onde a complexidade geral surge por sob a suposta linearidade dos eventos;
A quarta e última fase é quando reinicia a repetição do ciclo, e o estranhismo _ traço essencial a um grande escritor _ se assenta, com seus ares de que está prestes a solucionar os enigmas propostos , mas que na verdade impõe o que uma arte que se iguala ou ultrapassa a casuística da vida tem a determinação de expressar: a de que não somos destinados a existir em um universo seguro, com regras pré-estabelecidas, e não nos será revelada a solução dos mistérios.
Qualquer um com aptidão física para repetir essas prestigitações da escrita pode simular fazer a mesma coisa, mas Faulkner, como poucos criadores _ e estando em um patamar acima dos bem sucedidos entre eles _ , consegue jogar por sobre suas páginas o jorro luminoso da uma poderosa autenticidade; seus personagens são tão reais no que tem de erráteis, e sensíveis ao soco propulsor de seus primeiros contatos traumáticos com o mundo, tão defensivos em repetir cegamente a violência que sofreram em cantos escuros da infância e propícios a serem vetores da infindabilidade do medo e do abandono, que suplantam os esquematismos técnicos da ficção genialmente urdida para ganharem ossos, carne e espírito.
Os piores entre os piores homens de Faulkner sempre tem um passado em cuja indequabilidade a um mundo corrompido ativam seus recônditos potenciais de adaptação, eximindo-os de compreender, e os tornam proficientes a falar o mesmo idioma da rejeição sofrida. Em algum momento deixam de ser ternos, assustadiços e silenciosos, principalmente quando uma etapa da sucessiva violência a que são vítimas demonstra-se brutal demais para que possam prosseguir com a mesma integridade, e se tornam mesquinhos, inumanos e silenciosos. A maior parte dos homens-demônios de Faulkner tem essa constituição: ser quase por completo silenciosa. O silêncio torna-se um escudo físico que mesmo para Faulkner ( que era o primeiro a se assustar com suas aparições de erradiações sinistras, antes de moldá-los no discurso) era uma barreira indevassável que não conseguia tornar efetivamente translúcida, daí que, nessa fase de construção degradativa dos personagens, Faulkner passa a descrevê-los utilizando elementos instrumentais de um materialismo duro, férreo, industrial. Os olhos de Popeye, em Santuário, parecem-se com maçanetas de porta, a mulher de Palmeiras Selvagens possui o rosto vítreo de insondáveis móveis domésticos, Joe Christmas, de Luz em Agosto, parece a encarnação pétrea da geografia do sul dos Estados Unidos, tanto no que ela tem de carvonesca, quanto do maquinário explorador do trabalho dos sub-assalariados exaustos e da inamistosidade sem vida das indústrias e das oficinas paupérrimas dos povoados de beira de estrada.
São propostas às criaturas de Faulkner as duas únicas alternativas de um mundo imisericordioso: o suicídio, ou a participação ativa na promiscuidade reinante. Os que rejeitam a primeira opção tem o benefício excruciante de progredir até o máximo que a torpeza e a inumanidade lhes permitem, e se tornam senhores escravocratas, donos do condado, beneficiários dos galardões de uma sociedade covarde e amesquinhada diante suas opressivas estaturas de poder, de forma que são os homens que se venderam para ter seus nomes nos jornais, contas nos bancos, e juízes marcados nos bolsos do paletó.
São inteligentes e carnais demais para desaparecerem da existência por suas próprias mãos. Do ponto de vista das engrenagens sociais, não há muito a se condenar neles: são os promotores do que confere graça à vida, os que conseguem iludir que acabrestaram a furia caótica da natureza pondo sobre ela o sinal do falso domínio do homem, os que simulam preencher o Nada etéreo e desesperdor com o pesadelo reconfortante da forja de tradições e mitologias para as quais se oferecem como alimento para o povo que os investem dos temores devocionais das divindades.
Os indefesos, os puros, indomáveis e incorruptíveis (como Boon Hogganbeck e o velho urso Old Ben, de Desça, Moisés, Quentin Sutpen de Absalão, Absalão!, e o retardado de O Som e a Fúria ), optam pelo suicídio, ou, na melhor das hipóteses (o que não configura uma terceira opção, mas uma abrangência da primeira), suicidam-se ao tomarem para si o silêncio das mortalhas em vida que os isolam do mundo. Daí tantas tias solteironas trancadas para sempre em casarões desabitados, diante as janelas das quais os vizinhos depositam diariamente um prato de comida, ou como o odor de putrafação de santidade que se desprende do pastor caído Hightower, ou como o retardado que narra a primeira parte de O Som e a Fúria para quem o instante perpétuo é a única sobrevida que ilusoriamente tem antes que o mundo o trage e destrua. O povo constrói os seus deuses, como também seus santos.
Por detrás do mundo de cores ásperas de Faulkner, de suas chuvas desoladoras, de suas florestas altissonantes, herméticas e pré-históricas, de suas vilas onde o tédio de antigos vícios sedimentados alimenta o veneno de velhos ressentimentos, de todo condado de Yokanapatawpha que reflete o provincianismo e a conjunção irredutível a um conservadorismo ultra-violento dos primórdios do coronelismo e dos amores patrióticos à terra; por detrás desse mundo onde tudo ressende a desumanidade, paira o que distingue Faulkner de todos os outros grandes escritores antes e depois dele, e o que determina a sua herança: a força de sua linguagem apoteótica, única, devastadora, de sua beleza poética e de seu alcance esotérico, seu estranhismo, para o qual não se achou outro termo melhor que "moderno", mas que não se enquadra aos meros exercícios de originalidade dos novos desbravadores da lingua e não se coapta a academicismos e teorias facilitadoras; sua imponência bíblica, sua carga de maldição profética, sua solidão intocada de ter nascido no país que talvez não fosse o certo para comportar seu orientalismo moral e sua inconformidade messiânica se não tivesse em sua linha genealógica pregressa antepassados como William Blake, Melville e Emerson, e cujo único filho futuro merecedor de ombrea-lo numa nova versão urbana e dessacralizada sendo o também não catalogável Saul Bellow.
Quem tenta conhecê-lo através do inapropriado romance que a crítica oficial elegeu como o seu melhor livro, O Som e a Fúria, tem enorme chance de odiá-lo. Mas quem tem a felicidade de se desatrelar das ideias pre-estabelecidas, e parte para o universo faulkneriano através do cartão de apresentação mais fácil de Santuário, Os Invictos, O Povoado, ou o soberbo Luz em Agosto (que fez com que Sartre dissesse que "Faulkner é Deus"), é muito passível de acontecer o que Borges decretou em um de seus prefácios: não se sai ileso de um livro de Faulkner. Eu mesmo fui mudado em definitivo após ler Absalão, Absalão!, seguramente um dos três maiores livros que já me passaram pelas mãos. Absalão, Absalão!, assim como Desça, Moisés, são os títulos que oferecem com plenitude o tão famoso estilo faulkneriano, num primeiro momento obscuro, difícil, intrincado, mas que, à custa de uma atenção absoluta e de uma persistência recompensadora, torna-se fluido, mágico, com sua abrangência que oferece um nível de informação e interação que dá inéditas capacidades à literatura ( muito copiada tanto por ficcionistas quanto por filósofos modernos, historiadores e cineastas).
É difícil identificar quais foram as influências de Faulkner. Parece que ele inventou um estilo do nada, sem dever nada a antepassados. Os únicos sinais perceptíveis são o da retórica do Velho Testamento. Sabe-se que Faulkner relia religiosamente a cada ano Dom Quixote, o que serve para atiçar mais a questão e não resolvê-la. Mas há muito de Shakespeare, algo de Henry James, Joseph Conrad, Dostoiévski e, de forma a complementar e não de tomar para si, muito de James Joyce. E não só esse estilo atlântico e sinfônico serviu a reconstruir toda uma potente literatura latino-americana surgida na última metade do século XX, caindo-lhe na necessidade de seus propósitos, como a temática social dos romances de Faulkner instruiu a voz denunciadora de escritores que aprenderam muito com ele, como Garcia Máquez, Vargas Llosa, Sábato, Ricardo Piglia, entre outros.
Os piores entre os piores homens de Faulkner sempre tem um passado em cuja indequabilidade a um mundo corrompido ativam seus recônditos potenciais de adaptação, eximindo-os de compreender, e os tornam proficientes a falar o mesmo idioma da rejeição sofrida. Em algum momento deixam de ser ternos, assustadiços e silenciosos, principalmente quando uma etapa da sucessiva violência a que são vítimas demonstra-se brutal demais para que possam prosseguir com a mesma integridade, e se tornam mesquinhos, inumanos e silenciosos. A maior parte dos homens-demônios de Faulkner tem essa constituição: ser quase por completo silenciosa. O silêncio torna-se um escudo físico que mesmo para Faulkner ( que era o primeiro a se assustar com suas aparições de erradiações sinistras, antes de moldá-los no discurso) era uma barreira indevassável que não conseguia tornar efetivamente translúcida, daí que, nessa fase de construção degradativa dos personagens, Faulkner passa a descrevê-los utilizando elementos instrumentais de um materialismo duro, férreo, industrial. Os olhos de Popeye, em Santuário, parecem-se com maçanetas de porta, a mulher de Palmeiras Selvagens possui o rosto vítreo de insondáveis móveis domésticos, Joe Christmas, de Luz em Agosto, parece a encarnação pétrea da geografia do sul dos Estados Unidos, tanto no que ela tem de carvonesca, quanto do maquinário explorador do trabalho dos sub-assalariados exaustos e da inamistosidade sem vida das indústrias e das oficinas paupérrimas dos povoados de beira de estrada.
São propostas às criaturas de Faulkner as duas únicas alternativas de um mundo imisericordioso: o suicídio, ou a participação ativa na promiscuidade reinante. Os que rejeitam a primeira opção tem o benefício excruciante de progredir até o máximo que a torpeza e a inumanidade lhes permitem, e se tornam senhores escravocratas, donos do condado, beneficiários dos galardões de uma sociedade covarde e amesquinhada diante suas opressivas estaturas de poder, de forma que são os homens que se venderam para ter seus nomes nos jornais, contas nos bancos, e juízes marcados nos bolsos do paletó.
São inteligentes e carnais demais para desaparecerem da existência por suas próprias mãos. Do ponto de vista das engrenagens sociais, não há muito a se condenar neles: são os promotores do que confere graça à vida, os que conseguem iludir que acabrestaram a furia caótica da natureza pondo sobre ela o sinal do falso domínio do homem, os que simulam preencher o Nada etéreo e desesperdor com o pesadelo reconfortante da forja de tradições e mitologias para as quais se oferecem como alimento para o povo que os investem dos temores devocionais das divindades.
Os indefesos, os puros, indomáveis e incorruptíveis (como Boon Hogganbeck e o velho urso Old Ben, de Desça, Moisés, Quentin Sutpen de Absalão, Absalão!, e o retardado de O Som e a Fúria ), optam pelo suicídio, ou, na melhor das hipóteses (o que não configura uma terceira opção, mas uma abrangência da primeira), suicidam-se ao tomarem para si o silêncio das mortalhas em vida que os isolam do mundo. Daí tantas tias solteironas trancadas para sempre em casarões desabitados, diante as janelas das quais os vizinhos depositam diariamente um prato de comida, ou como o odor de putrafação de santidade que se desprende do pastor caído Hightower, ou como o retardado que narra a primeira parte de O Som e a Fúria para quem o instante perpétuo é a única sobrevida que ilusoriamente tem antes que o mundo o trage e destrua. O povo constrói os seus deuses, como também seus santos.
Por detrás do mundo de cores ásperas de Faulkner, de suas chuvas desoladoras, de suas florestas altissonantes, herméticas e pré-históricas, de suas vilas onde o tédio de antigos vícios sedimentados alimenta o veneno de velhos ressentimentos, de todo condado de Yokanapatawpha que reflete o provincianismo e a conjunção irredutível a um conservadorismo ultra-violento dos primórdios do coronelismo e dos amores patrióticos à terra; por detrás desse mundo onde tudo ressende a desumanidade, paira o que distingue Faulkner de todos os outros grandes escritores antes e depois dele, e o que determina a sua herança: a força de sua linguagem apoteótica, única, devastadora, de sua beleza poética e de seu alcance esotérico, seu estranhismo, para o qual não se achou outro termo melhor que "moderno", mas que não se enquadra aos meros exercícios de originalidade dos novos desbravadores da lingua e não se coapta a academicismos e teorias facilitadoras; sua imponência bíblica, sua carga de maldição profética, sua solidão intocada de ter nascido no país que talvez não fosse o certo para comportar seu orientalismo moral e sua inconformidade messiânica se não tivesse em sua linha genealógica pregressa antepassados como William Blake, Melville e Emerson, e cujo único filho futuro merecedor de ombrea-lo numa nova versão urbana e dessacralizada sendo o também não catalogável Saul Bellow.
Quem tenta conhecê-lo através do inapropriado romance que a crítica oficial elegeu como o seu melhor livro, O Som e a Fúria, tem enorme chance de odiá-lo. Mas quem tem a felicidade de se desatrelar das ideias pre-estabelecidas, e parte para o universo faulkneriano através do cartão de apresentação mais fácil de Santuário, Os Invictos, O Povoado, ou o soberbo Luz em Agosto (que fez com que Sartre dissesse que "Faulkner é Deus"), é muito passível de acontecer o que Borges decretou em um de seus prefácios: não se sai ileso de um livro de Faulkner. Eu mesmo fui mudado em definitivo após ler Absalão, Absalão!, seguramente um dos três maiores livros que já me passaram pelas mãos. Absalão, Absalão!, assim como Desça, Moisés, são os títulos que oferecem com plenitude o tão famoso estilo faulkneriano, num primeiro momento obscuro, difícil, intrincado, mas que, à custa de uma atenção absoluta e de uma persistência recompensadora, torna-se fluido, mágico, com sua abrangência que oferece um nível de informação e interação que dá inéditas capacidades à literatura ( muito copiada tanto por ficcionistas quanto por filósofos modernos, historiadores e cineastas).
É difícil identificar quais foram as influências de Faulkner. Parece que ele inventou um estilo do nada, sem dever nada a antepassados. Os únicos sinais perceptíveis são o da retórica do Velho Testamento. Sabe-se que Faulkner relia religiosamente a cada ano Dom Quixote, o que serve para atiçar mais a questão e não resolvê-la. Mas há muito de Shakespeare, algo de Henry James, Joseph Conrad, Dostoiévski e, de forma a complementar e não de tomar para si, muito de James Joyce. E não só esse estilo atlântico e sinfônico serviu a reconstruir toda uma potente literatura latino-americana surgida na última metade do século XX, caindo-lhe na necessidade de seus propósitos, como a temática social dos romances de Faulkner instruiu a voz denunciadora de escritores que aprenderam muito com ele, como Garcia Máquez, Vargas Llosa, Sábato, Ricardo Piglia, entre outros.
Para finalizar, confesso que nada foi mais impactante nesses meus longos anos de leitor profissional do que a súbita visão, no meio de uma narrativa caudalosa que não dá tréguas e retira o fôlego de tanta intensidade, da causa do por que o Coronel Henry Sutpen eximiu-se do que identifica um homem para um outro homem, e optou não tão livremente ao dedicado massacre de sua alma e da alma de seus semelhantes. Naquela clareira repentina oferecida em uma das páginas do meio de Absalão, Absalão! , um jovem Henry Sutpen, que progressivamente não tinha muitos motivos a apostar na bondade humana, decide, tenaz e disciplinadamente, a devolver em quádruplo dali para frente, a humilhação, a afronta e a dor inexorável que sofreu, quando ainda era tão imaculado e incorruptível.
O belo excerto abaixo eu o sei de cór desde quando o li pela primeira vez, há vinte anos. Trata de um hipotético encontro espiritual das almas cansadas do Coronel Henry Sutpen, após sua morte, com o seu assassino vingador, o velho e servil criado Wash, morto em seguida. Confesso que ainda me são tão belas essas palavras, que me vem lágrimas nos olhos. Está na página 170 e 171, da tradução de Sônia Régis para a Editora Nova Fronteira:
"Ele seguira o demônio doze horas depois, naquele mesmo domingo (e talvez tenham ido para o mesmo lugar; talvez lá onde estão agora ainda possam tomar um vinho de muscadínea, sem mais compulsão pelo sustento, ambição, fornicação ou vingança, e talvez até nem tenham de beber, apenas sintam falta do vinho de vez em quando, sem saber do que sentem falta, mas isso não é sempre; serenos, agradáveis, não-marcados pelo tempo ou pela temperatura do dia; apenas de vez em quando alguma coisa, um vento ou uma sombra, faça o demônio parar de falar e Jones parar de gargalhar e eles se olhem, procurando às cegas, sérios, concentrados, enquanto o demônio diz: "O que foi que aconteceu, Wash? Alguma coisa aconteceu. O que foi?"; e o Jones, olhando para o demônio, atento também, também sóbrio, diz: "Eu num sei, Coroné. Que foi?"; e olha para ele. Depois, a sombra se apaga, o vento se extingue e Jones diz, sereno, sem nenhum triunfo: "Eles devem de ter matado nós, mas eles 'inda num pegaram nós, num é?)"
Amanhã: Thomas Bernhard
- Luiz, estou sofrendo!
ResponderExcluir- Por que?
- Esse livro, você não faz idéia do quanto ele sofre. E eu estou sofrendo junto.
- Do que ele tanto sofre?
- A solidão, a incompreensão, a intolerância. Ninguém é por ele, ninguém nunca o amou, ninguém o entende. Estou sofrendo tanto!
- Então pare de ler isso!
- Eu não posso, eu preciso saber...
Amanhã, provavelmente, começarei Absalão, Absalão!
Ah, uma sugestão: ficaria mais fácil se os teus comentários ficassem logo abaixo do título dos posts. É que eles são longos pra gente ter que descer a barra e ver se tem alguma coisa nova.
ResponderExcluirNão entendi seu último comentário!?!?
ResponderExcluirJura que tá gostando do Luz em Agosto? Não é porque toca fundo em meu amor pelo autor não, mas submeti algumas namoradas a Faulkner, inclusive a Dani (que adora um "discípulo" dele, o Garcia Márquez), mas todas foram irrefratárias. Por um momento, considerei a hipótese absurda de que Faulkner fosse um autor "masculino" (aiaiaia! o que isso pode gerar de mau entendido!), embora Hanna Arendt fosse uma leitora ávida do autor americano, assim como a Toni Morrison.
Não é rasgação de seda não, mas essa sua "fixação" e compreensão de Faulkner só acrescenta minha opinião a respeito, e me diverte tanto quanto isso aqui, que descobri hoje:
http://www.youtube.com/watch?v=vUywmy0MsVw
(essas coisas o cara não mostra!)
Absalão, Absalão! vai te fazer pirar a cacholeta.
(Sério que está se tornando uma faulkneriana e não está dizendo isso só para me agradar?)
...só acrescenta minha opinião a TEU respeito...
ResponderExcluirhttp://spanish.news.fmota.com/la-academia-investiga-por-fraude-al-nobel-de-literatura-2010.html
ResponderExcluirMeu comentário, técnico, foi o seguinte: é possível colocar o link que abre os comentários logo abaixo do nome do post. No meu blog é assim. Como teus posts são muito longos, a gente é obrigado a descer muito a tela até achar a caixa de comentários e ver se está vazia ou não. Agora ficou mais claro? Depois disso você teria que reconfigurar o Google Analytics, provavelmente.
ResponderExcluirNão estou gostando do Luz em Agosto - terminei há mais de uma semana. Simplesmente não conseguia largar o livro - olha que costumo ler vários ao mesmo tempo e deixei um Guimarães e um Capote esperando! Como te disse, no começo sofria tanto que tinha que parar de ler. Às vezes lia um conto do Capote pra desopilar. Mas, ao mesmo tempo, não conseguia deixar de lado durante muito tempo. Até que abandonei o Capote de todo e devorei tudo. Ou quase tudo, porque à media em que senti que o livro estava acabando não queria mais terminar...
Eu achei o fim do livro totalmente magistral. Não apenas por fechar o círculo, mas por terminar de maneira tão satisfatória, mesmo quando interiormente eu estava torcendo para Byron simplesmente pegar a mulher pelos cabelos e concretizar aquele casamento de uma vez. Gostei da maneira como ele recorreu a outros narradores para descrever o final deles e do Joe.
A maneira como ele demorou para construir o perfil dos personagens me lembrou Dostô, mas ele consegue fazer isso de uma maneira muito interessante. Dostô, pra mim, é semelhante a empurrar uma carroça numa subida, ele leva quase metade do livro para nos fazer entender cada um (depois todo santo ajuda e os fatos ocorrem numa velocidade alucinante). No Luz em Agosto, eu me perguntava quem era, afinal, o personagem principal, em nome de quem o quebra-cabeças estava sendo montado. Depois eu entendi o que estava acontecendo e era como ver grandes nuvens de chuva se formando, aquela expectativa no ar.
Também achei muito original a maneira como ele mistura os tempos. Ele vai ao passado e ao futuro com a maior tranquilidade, para explicar ou que o contexto ou para criar interesse pelo que vem logo em seguida. Modestamente, me inspirei nisso ao escrever meu post No Casamento. O recurso é brilhante, funciona mesmo...
E a trajetória do Joe... Ele não merece nem ser chamado de Herói Trágico, porque pra isso ele pelo menos seria um semi-deus ou teria seus momentos de glória. Ele e todos os personagens do livro eram muito bem construídos, muito reais. E mesmo com uma trajetória tão solitária, criando tanta empatia, ainda assim não era possível idealizá-lo, achar que ele era melhor do que os outros - o que também é bastante incomum. De certa forma, era como se quanto mais a lente do autor se aproximava, mais solidão viamos- se não vimos solidão em alguns foi apenas porque eles não foram focados. Todo mundo era solitário e tentava sobreviver com as armas que tinha à mão, cercados de equívocos e do olhar pouco benévolo dos outros. De certa forma, é como se o livro não tivesse coadjuvantes. Ou que Joe, Byron, a Mulher Grávida, o Reverendo fossem todos personagens principais. Não sei se é possível dizer isso numa análise literária séria...
Enfim, são apenas algumas idéias desconexas. pra dizer que sim, gostei muito. Não sei se isso me converte ao faulkerianismo. Tenho até medo de pegar o Absalão, Absalão! e me decepcionar ao compará-lo com Luz em Agosto.
Viu esse aqui?
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=Z22Ol-S3LBg&feature=related
Caminhante, magistral essa sua análise de Luz em Agosto. Tornastes faulkneriana, vc que ainda não sabe. Seu paralelo com o Dostô é de alguém que tem completo domínio do assunto. Vc entendeu o livro muito melhor do que a maioria especialista que eu conheço, que vê um paradoxo entre a obra de Faulkner, para ela "desencantada", "bruta" e "extremamente pessimista", com o discurso dele de recebimento do Nobel em que diz "acreditar na redenção e na vitória do Homem". A denúncia que ele faz da solidão de Joe, e a defesa de seus personagens indefesos, como Lena, é sua contribuição à melhora moral e espiritual da nossa espécie.
ResponderExcluirAsbsalão, Absalão! espero que não te desmotive. Um exemplo da genialidade é ele ter usado um estilo completamente diferente, parece escrito por outra pessoa.
Estou lendo A Sangue Frio, do Capote.
Eu vi esse vídeo, e comentei com o Milton no blog dele, no post de ontem.
ResponderExcluirAh, Milton, inacreditável demais esse link sobre essas acusações contra Llosa. Não acredito uma vírgula.
Charlles,
ResponderExcluir(Você me acha temível faz tempo, né? Então não preciso filtrar nada antes de escrever)
Estou aqui lendo Absalão-ão e uma questão que já tinha se formado na minha mente no Luz em Agosto voltou à tona.
Nos dois livros, temos a história de um estranho, um "estrangeiro" que chega à cidade. Esse desconhecido é recebido com desconfiança porque é claramente alguém desenraizado, alguém que deu as costas ao seu passado, que o esconde, que tenta começar do zero. Esse começar do zero sempre prenuncia à cidade algo ruim, e isso acaba se mostrando verdadeiro.
Além disso, Faulkner usa outras gerações pra explicar o comportamento de uma personagem. As personagens dele se sentem "fantasmas", "receptáculos" diantes de seus pais, seus avós, seus antepassados. Ás vezes me parece até uma nostalgia com os pioneiros, como se depois deles não fosse mais possível a um homem se fazer. Parece que as pessoas seguem uma cruzada inevitável rumo a um destino traçado antes mesmo delas nascerem.
Diante de tudo isso, penso em Bauman e toda a crítica que ele faz ao desenraizamento da modernidade me parece perder um pouco da força. Bauman fala que temos tanta escolha que não sabemos por onde seguir. Mas isso ainda soa muito melhor do que não ter para onde ir. É como se ele olhasse com a mesma desconfiança da cidade e achasse sem escrúpulos o homem que se faz. Isso sem falar no sentimento enorme de opressão que esse peso todo tinha. Mesmo confusa, essa falsa liberdade não é melhor do que liberdade alguma?
O que você, que gosta dos dois autores acha disso?
Caminhante, Saul Bellow ouviu de um outro escritor (tá lá no livro de ensaios Tudo Faz Sentido) que Faulkner era o maior de todos os escritores, mas que lamentável_ prosseguia ele_ que tenha se desperdiçado em temas tão inexpressivos. Era a visão que o modernismo urbano tinha para cobrar mais de Faulkner. Mas o velho William se apegava a seu tema, que a meu ver era a velha repaginação da luta contra o mal, e para isso fez o que outros escritores depois e antes dele fizeram, agarrando-se ao conjunto de seu mundo mitológico. Era a forma de se preservar e verter o seu talento, como o barroquismo de Saramago e Pynchon, etc.
ResponderExcluirVc intuíu logo acima uma das frases mais célebres de Faulkner, em Palmeiras Selvagens: "entre o nada e o sofrimento, escolheria o sofrimento." Bauman talvez só complemente uma temática de Faulkner, que na verdade era conservador apenas no que afirmava em suas histórias que havia a predestinação dos filhos pagarem pelos pecados dos pais; e talvez Bauman (só li o ótimo Vida para Consumo, por enquanto), em seu estudo sobre a incapacidade das gerações se livrarem das garras dos poderes que suplantam a força de um Estado cada vez mais raquítico e com isso lança domínio pleno sobre o agir, o pensar e o sentir do homem, faça o mesmo caminho da denúncia de Faulkner contra a alienação. Quanto mais o homem preso a suas memórias de honra, a suas paixões, preconceitos, à sua fúria tribal e a sua selvageria, no caso de Faulkner, mais se submete às forças da natureza, ao caos, etc.
ResponderExcluir(cont.)
Um conto memorável de Faulkner fala mais claramente sobre isso, "O Urso", em "Desça,Moisés", em que uma caçada a um velho urso representa toda a decadência de um povoado, de uma família, no choque inexorável contra, um lado, as obsoletas concepções de honra, e por outro lado, a chegada da modernidade e dos novos ciclos da História. "Cem Anos de Solidão" é a mesma história da família Sutpen, dos Sartoris e das outras famílias de Faulkner _ a mesma, só muda a prosa criadora de GGM _, em que os Buendía estão fadados a desaparecerem e não deixarem rastro sobre a Terra, porque nunca foram capazes de se livrarem do passado, e em decorrência, eram mal preparados demais para sequer perceberem que a chegada dos norte americanos em Macondo era a culminância de sua pedra tumular, de sua derrocada.
ResponderExcluirFaulkner lançou uma herança que foi continuada por vários escritores. Saul Bellow, de novo, diz que passava horas em encontros com a Hannah Arendt ouvindo-a falar de Faulkner. Ela era uma profunda entendedora, daí relacionarmos suas temáticas sobre totalitarismo, massacres e subjugação à "banalização do mal" em seu interesse por Faulkner.
ResponderExcluirBauman lança mão de Freud (O Mal Estar da Cultura, etc)para falar sobre a sociedade da "produção da infelicidade" que a faz se condicionar à busca consumista pela satisfação e impressão de saceio (efêmero). Um outro autor se aproxima mais de faulkner, Allan Bloom, que defendia um certo reacionarismo diante ao descontrole do Mal que toma posse de tudo, o Mal do fim das tradições, do fim do Sagrado, do relativismo usado mal intencionadamente para a dominação e do lucro absoluto.
Talvez por isso as únicas pessoas "felizes" de Faulkner são os idiotas ou os infantilizados, repetindo o Dostô.
Não sei o que Faulkner teria feito se tivesse vivido mais que seus 60 anos. Seus livros eram esotéricos demais para não fazerem uma evolução ou uma contra evolução de estilo. Um outro Tolstói anarquista cristão???
***************
Talvez eu tenha feito a pergunta cedo demais, porque vi que você ainda não se sente seguro ao falar do Bauman. O que sei é que a indignação que senti com a modernidade ao ler Bauman foi se desfazendo com o tempo. Você mesmo expressou a incapacidade que a gente sente em reagir ao que ele fala, uma vontade de fazer alguma coisa e não saber o quê.
ResponderExcluirA verdade é que sou extremamente adaptada a esse mundo virtual que ele tanto critica. Como se tivesse nascido com o que me seria necessário no futuro. Antes da vida virtual se tornar tão difundida, eu era meio outsider. Nos livros (talvez, mais especificamente, A Modernidade Líquida), parece que no futuro todos serão iguais a mim - preferindo interações virtuais a reais, se sentindo mais parte de um grupo distante geograficamente do que no ambiente próximo.
Claro que jamais trocaria o que tenho hoje por um tempo passado, o que não prova nada em termos de superioridade de culturas. Bauman fala das nossas relações descartáveis e na velocidade, que isso nos impediria de atingir um relacionamento profundo, pela tensão e ilusão de que sempre se pode encontrar algo melhor (agora devo estar no Amor Líquido). Mas não me parece, através do olhar de Faulkner, que a falta de opções - que levava a relações compulsórias tanto no casamento quanto com vizinhos - fosse tão melhor ou menos solitária.
São idéias soltas, constatações. Talvez eu esteja apenas defendendo a minha época, não sei.
(postamos quase ao mesmo tempo. Se tivesse visto teu comentário antes, acho que começaria o meu de forma diferente. De qualquer maneira, a idéia é essa)
ResponderExcluirVou ler mais Bauman, realmente ainda não apreendi o cara para falar dele tranquilamente.
ResponderExcluirMas em Vida para Consumo não estou tão certo que a crítica dele seja em relação à tecnologia, mas ao modo como ela nos absorve e não estamos capacitados para respondermos a ela. Uma coisa que me tocou é como parece que o Bauman, propositalmente, se mostra num estoicismo distante, como se olhasse o homem moderno, facebookiano, como uma espécime de laboratório. O quanto a linguagem dos críticos da modernidade mostra, no final das contas, o desapaixonado posicionamento de que já está determinado que o pior dos mundos vai acontecer, de que nos rendemos à técnica sem nenhuma dignidade e de que ela nos está tornando boçais solitários e flácidos. Como se Bauman nos olhasse do futuro. Aí me deu a vontade de sair gritando, em reinvindicação: onde estão os Chevaliers, os Nieztsche, os caras viscerais, os que cantavam com sangue na boca.
Mas adorei Bauman. Recomendo que leia Dialética do Esclarecimento, do Adorno, uma espécie de pai ideológico desses caras todos. Tenho que ir dormir agora, baby.
Abraço.
Fantástico o seu texto sobre Faulkner! Contribuiu muito para meu aprendizado sobre este autor. Abs
ResponderExcluirCharlles e Caminhante.
ResponderExcluirMuito, muito, muito bom diálogo.
Realmente adorei.
Ainda não estou pronto para conversar com vocês.
Mas terão notícias de mim em breve.
BRA-VO!
Oi,
ResponderExcluirEu sei que nossa conversa já terminou, como se estivessemos em volta da fogueira contando histórias que na manhã seguinte ninguém lembra mais (fora o Farinatti, obrigada!). Mas é que hoje estava lendo e de repente, no meio do Absalão, Absalão!, Bauman pareceu se defender (ou me explicar) de tudo o que eu havia dito aqui ontem - do desenraizamento, das escolhas, de ser vítima do destino, da virtualidade, enfim, de porque essa nostalgia com um passado onde não era possível dar unfollow:
"Sim, para eles, daquele tempo: um tempo morto. Gente também, como nós somos, e vítimas também, como nós somos, mas vítimas de uma circunstância diferente, mais simples, e por isso, maiores e mais heróicas, figuras grandiosas também, não acanhadas e complicadas, mas precisas, sem recalques, que conheceram a dádiva do amor e da morte uma vez. Não eram criaturas difusas e frustradas, arrastando-se cegamente de limbo em limbo como caça aprisionada. Estavam juntos: eram autores e vítimas de um milhar de homicídios, cópulas e divórcios"
Fantástico - pelo menos nas metáforas que eu consigo ver. Seria Faulkner bauminiano?
Esse trecho é de Bauman ou Faulkner?
ResponderExcluirOlha só o que vc me fez fazer hoje. Um pecado INCALCULÁVEL! Todos os livros de Bauman estão disponibilizado para download. Baixei o Modernidade e Holocausto. Só para dar uma folheada antes de comprá-lo. Um download tacanho, scaneado, xerox de xerox. O futuro do livro tá garantido, pois é muitíssimo desagradável e desconfortável ler pela net.
Quando estive em Goiânia procurei os títulos de Bauman, mas achei apenas dois. Mais tarde, depois de pagar uma série de livros anteriormente encomendados, vou atrás dos que vc citou.
Em Vida para Consumo percebi a enorme erudição de Bauman. Escreve muitíssimo bem, e transparece em cada página a cultura que tem. Como disse a Carol, no blog dela, Faulkner é leitura obrigatória nos curricúlos universitários norte-americanos (e europeus)_ o que espero tal obrigatoriedade não ter surtido o que, por aqui, surtiu meu repúdio a Machado de Assis. Bauman com certeza o leu.
Do Faulkner... Mas se encaixa com tanta perfeição que parece ser do Bauman, né?
ResponderExcluirEu devo ter lido Dialética do Esclarecimento, sempre gostei muito da Escola de Frankfurt. Mas, confesso, li muito menos dos originais do que gostaria. Obrigação realmente destrói futuros leitores. Odiei profundamente Primeiras Estórias porque li pro vestibular. No ano passado fiz um esforço e me descobri completamente apaixonada por Guimarães Rosa.
Além de muito culto, Bauman parece ser muito simpático. Olha o que tenho nos meus favoritos:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-20702004000100015&script=sci_arttext
Depois de Joe, agora me metamorfoseei em Srta Rosa. Não me sinto normal ao ler Faulkner...
Ôpa, ótimo link. Vou lê-lo com tempo mais tarde.
ResponderExcluirSó uma coisa que guardei na cabeça por uns 15 anos e fui lembrar agora sentado no sofá: há um romance que é muito similar a tudo a Luz em Agosto. Trata-se de Visível Escuridão, do nobel inglês William Golding. Basicamente a mesma história, só que acontecida na Iglaterra do pós-guerra. Um dos livros mais perturbadores que já li, já comentei rapidamente sobre ele no Milton, numa lista dos meus melhores livros. O personagem similar a Joe é um adolescente deformado pela explosão de uma bomba.
Fica só a título de curiosidade.