sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Someone's knockin' at the door/ Somebody's ringin' the bell

Thomas Bernhard




Se não tivéssemos nossa arte do exagero, dissera a Gambetti, estaríamos condenados a uma vida pavorosamente tediosa, a uma existência indigna de ser vivida. E eu desenvolvi minha arte do exagero a um nível inacreditável, dissera a Gambetti. Para compreendermos algo, temos de exagerar, dissera-lhe, só o exagero torna as coisas claras, mesmo o perigo de sermos tidos como loucos não nos incomoda mais numa certa idade. Não há nada melhor que numa certa idade ser declarado louco. A maior felicidade que conheço, dissera a Gambetti, é aquela do velho louco, que pode entregar-se à sua loucura com perfeita independência. Se tivermos oportunidade, devemos nos proclamar loucos no mais tardar aos quarenta e levarmos nossa loucura a extremos. A loucura é que nos faz felizes, dissera a Gambetti.
                                              (Extinção, Companhia das Letras, tradução de José Marcos Mariani de Macedo, p.96)

                                                                         *  *  *

A cada novo dia, lá estão sempre e apenas os mesmos seres humanos, com todas as suas fraquezas, com sua sujeira física e espiritual. Dá no mesmo desespera-se diante a britadeira ou a máquina de escrever. São as teorias que mutilam o que, afinal, está tão claro; as filosofias e as ciências, com seus conhecimentos inúteis, é que se interpõem no caminho da clareza. Já percorremos quase todos os caminhos, o que está por vir não há de surpreender, porque todas as possibilidades já foram consideradas. Quem tantas vezes já errou, irritou, perturbou, destruiu, aniquilou, se atormentou, estudou, se acabou, quase se matou, se perdeu, se envergonhou e não se avergonhou vai, no futuro, continuar se perdendo, errando muito, irritando, perturbando, destruindo, aniquilando, se atormentando, estudando, se acabando, quase se matando e assim por diante, até o fim. Mas, em última instância, tanto faz. As cartas vão sendo abertas, pouco a pouco. A idéia era seguir o rastro da existência, da própria e a dos outros. Nós nos reconhecemos em cada ser humano, seja ele quem for, e estamos condenados a ser cada um deles enquanto existirmos. Somos a um só tempo todas essas existências e todos esses seres existentes, em busca de nós mesmos, mas não nos encontramos, por mais que nos esforcemos. Sonhamos com sinceridade e clareza, mas não passou de um sonho. Desistimos e recomeçamos muitas vezes, e ainda vamos desistir e recomeçar muitas outras. Mas tanto faz. O homem de Scherzhauserfeld com sua britadeira deu-me a palavra-chave: tanto faz. É a essência da natureza que tanto faça. Tchau e tanto faz, sigo ouvindo suas palavras, embora essas palavras dele sejam as minhas também, embora eu próprio tenha dito tantas vezes tchau, tanto faz. O fato, porém, é que elas precisavam ser ditas. E eu já as havia esquecido. Pela vida toda, somos condenados a uma vida por um ou mais crimes _ quem sabe? _  que não cometemos ou que voltamos a cometer por aqueles que virão depois de nós. Não convocamos a nós mesmos para estar aqui: de repente, estávamos e, de pronto, a responsabilidade fez-se nossa. Tornamo-nos capazes de resistir, nada mais pode nos derrubar, já não nos agarramos à vida, mas tampouco a entregamos a preço de banana _ era o que eu queria dizer, mas não disse. Às vezes, erguemos a cabeça, acreditamos precisar dizer a verdade ou a aparente verdade, mas tornamos a baixá-la. Isso é tudo.
                             ( Origem, Companhia das Letras, tradução de Sérgio Tellaroli, p.316-7)

5 comentários:

  1. Embora pareça que tudo - “tanto faz”.
    Eu continuo um cozinheiro contumaz…


    MOQUECA
    by Ramiro Conceição


    Não sou vermelho, branco,
    preto, amarelo; nem sou mulçumano,
    judeu ou cristão. Não cuspo no chão.

    Santo? Não sou não!

    Tenho um estranho hábito de enterrar
    — e desenterrar — os ossos do meu destino.
    Em desatino, planto girassóis em meu quintal.

    Sou um cachorrinho — canibal,
    um misto de coveiro e jardineiro,
    um ser entre o bem e o mal.

    Fiz uma moqueca de estrelas.
    E todos estão convidados
    — à mesa triunfal!

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  2. PACÍFICO DESTINO
    by Ramiro Conceição


    No imaginário Norte: brancos cabelos à sorte.
    No imaginário Sul: silêncios brancos do azul.
    Entre os pés e a cabeça: sonhos e florestas
    de flores amarelas, vermelhas - e tão azuis…

    Entre Norte — Sul o admirável sucedeu:
    conquistas, assassínios e o Amor de Deus.
    Entre o céu e a terra uma história nasceu:
    aquela em que os deuses são filhos, seus!

    A Pérola Azul, uma lágrima Divina,
    gira o Ocidente ao Oriente ao Ocidente
    com dois Corações Castanhos em si…

    Aquele à direita - é a África bendita!
    Violentada pela ganância branca e vil.
    O Indígena à esquerda ferido - é o Brasil!

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  3. OFERENDA
    by Ramiro Conceição


    Por ser um ser de passagem
    feito uma rosa duma roseira,
    deixar preciso um perfume
    a enfeitar esta nossa mesa.

    Porque um raio de sol
    iluminou esta tristeza
    este presente possui
    delicadeza e grandeza.

    Tó, Comadre!
    Tó, Compadre!

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  4. Ramiro, tu já és famoso aqui entre amigos, no Goiás.

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  5. Puxa...
    meus amigos...
    no Goiás...
    Obrigado a todos!

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