quinta-feira, 4 de junho de 2015

O horror à normalidade



Andei pensando nessa reação boçal e anacrônica dos que “zelam pela família”, suscitada pelo recente comercial de O Boticário veiculado na tv. Daí pensei na minha família. Meu avô fez com que ficasse incutido na genética da família a urgência pelos estudos. Todos da minha família, desde os loucos, os fracassados, as ovelhas negras, os desviados, os santos e os criminosos (uma das minhas maiores dificuldades é a inconstância em que ora e outra me situo entre tais categorias), são pra lá de estudados. Mesmo os ignorantes e os que só tem força intelectual para assinar o nome, são estudados. E todos, em maior ou menor grau, são, graças a isso, independentes financeiramente. Cumprem à risca a prediga religiosa de meu avô de botarem e retirarem seus chapéus simbólicos onde bem entenderem. Minhas primas, as quais admiro muito, são, a maioria, mães solteiras. MÃES SOLTEIRAS_ em caixa alta para os distraídos. Uma filigrana de desequilíbrio da providência, e seriam consideradas putas. Mas ali está meu avô, as olhando severamente de algum improvável avatar ultra-dimensional, para receber o agradecimento de ter ministrado a sarna do esclarecimento no gene da família, e com isso ter dado sua herança máxima, a de se poder fazer o que se bem entender com suas vidas pessoais, mandando a opinião alheia para o único lugar devido em que ela deve estar: a merda.

Por que eu entrei nesse assunto genealógico todo? Para dizer que esses hipócritas que condenam tal propaganda o fazem porque não suportam serem confrontados com um desvio mínimo de seus acondicionamentos do “como pensar” e “como agir”. São a tal ralé criticada pela Hannah Arendt dos comandados que só olham o mundo através de clichês. Eles aceitam a bicha engraçada, bufa, afetada, estridente, com a alminha previsível dos palhaços deformados que não oferecem ameaça a ninguém; os Felix e demais bichas das novelas globais, criadas por roteiristas e vendidas por essa emissora estúpida com bula e atestado de “liberdade sexual para todos os gêneros” em adventos falsos do primeiro beijo gay e sei lá mais o quê. Isso aí eles podem suportar: a caricatura, o farsesco.

Mas mostrem a liberdade de escolha sexual com requinte, com tranquilidade e equilíbrio, como foi feito pela propaganda do Boticário, aí essa ralé vai pular alto, como está pulando. Eu fico rindo lendo os comentários desses sacripantas obtusos, e rio mais ainda pelo que eu vejo de seus inerentes desesperos. O Boticário, pelo que eu saiba, está longe de ser uma empresa sem perspectivas estudadas a fundo sobre seu público consumidor. Ela não se lançaria em uma campanha assim se não soubesse da grande faixa de consumidores GLS que seguramente existe para seus produtos. De gente que pouco está se importando com o que pensa e esbraveja a massa alheia. O que há de novo (um novo tardio que deveria ter sido mostrado na mídia há muito tempo) nessa propaganda, é mostrar que a diferença sexual EXISTE, calmamente, com pessoas que lutam tranquilamente por suas felicidades, pessoas no todo sem nenhuma diferença conceitual uma das outras. O escandaloso nisso é a sua silenciosa normalidade. Um país como o nosso está preparado para admitir que um beijo truncado de uma bicha neurótica bufa apresentado em uma novela estúpida seja revolucionário, mas não para aceitar essa normalidade insuportável do tido como diferente.

6 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Mas a opinião dessas pessoas só repercute porque quem discorda delas a repercute.

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    1. não vi opiniões contrárias ao comercial, senão naqueles jpegs em q se lê uma frase de um malafaia da vida - ou seja, nem tenho certeza de q ele disse mesmo o q está dito, apesar de ser provável.
      mas, sim, deve ter mta gente (apesar de não nos nossos círculos, petry) q se colocou contra a propaganda - está aí a aprovação na câmara do AUMENTO da isenção de impostos pras igrejas... pra não nos deixar esquecer do poder q esses caras conquistaram. bizarro.
      ainda assim, a discussão toda estar contornada por toda uma questão de mercado é tão triste qto isto q o charlles coloca. eu nem me animei a discutir nada disso, pq obviamente toda essa repercussão foi construída no marketing da empresa.
      pero bueno...

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    2. A opinião do MALAfaia só aparece porque as pessoas se importam muito com ela. Ele no fundo adora isso.

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  3. "... a bicha engraçada, bufa, afetada, estridente, com a alminha previsível dos palhaços deformados que não oferecem ameaça a ninguém; os Felix e demais bichas das novelas globais..."

    Na mosca, Charlles. A rede Globo é o que há de mais reacionário e conservador no Brasil. Basta lembrar que praticamente todo o capital do grupo Globo foi gerado sob as maiores falcatruas desde a época de Getúlio, passando, é claro, de braços dados com os generais de 64.

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    1. Deixando às claras: Roberto Marinho sempre esteve unido às forças políticas oposicionistas ao governo de Vargas. Tais forças foram aquelas que, posteriormente, tentaram impedir a posse de Juscelino e, no início do anos 60, contra Goulart, fomentaram a “redentora”.
      No livro “Getúlio”, do Lira Neto, há uma passagem reveladora: um dos irmãos de Getúlio deu um baita direto na fuça do “Bob Sea”, isso em público, num dos maiores cassinos da capital da República. Por um triz, o irmão de Getúlio não deu um balaço na testa do futuro imperador do plim-plim.

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