É muito perigosa essa veneração inconsciente que o brasileiro sente pela televisão. O Brasil por décadas teve um único e restrito ambiente midiático, construído por duas ou três emissoras de tv que moldaram o imaginário nacional. Foram décadas em que as oligarquias fizeram o que queriam com a gente, através da grande arma de imbecilização dominadora da tv. Digo isso pois vivi os anos 70, 80, 90 e 2000, e ela, a tv brasileira, sempre esteve presente, alerta, ditatorial, zelosa pelo grande capital de ignorância coletiva que ela criou. Nós somos o único país do mundo que teve um velho vestido de palhaço jogando bacalhau na cara da plateia. O único país do mundo que uma loira seminua apresentava um programa para crianças. A TV mudava o regime político, decidia quando reinstauraria uma democracia frágil na medida de seus interesses, escolhia presidentes, escolhia corte de cabelo e posturas estéticas. A TV dominava tudo, tudo. Como nunca aconteceu antes em nenhum outro país, não com a perversão de mostrar coisas como simulações de cenas pornôs na hora do almoço para toda a família, como na Banheira do Gugu. Então, quando vejo pessoas que se dizem leitoras, esclarecidas, cantando loas para Silvio Santos, eu me pergunto para que serve um livro para essas pessoas. Não é gosto. Não é respeito à liberdade de consumir a besteira que quiser. Mas sim constatar como o efeito dessa doença imposta no país é grave e difícil de se erradicar. É graças a essa exposição tão radical e massiva a esse vazio programado que foi possivel um Collor e um Bolsonaro chegarem à presidência. A idolatria por palhaços fascistas como Bolsonaro surge com a idolatria a pessoas como Silvio Santos, a ponto de criar a falácia incontestável de que Sílvio é "o maior comunicador do mundo", um homem bom, de bom coração, etc, etc. Se um livro não serve para enriquecer a consciência e ampliar os poderes mentais para enxergar a obviedade de que esse Sílvio nunca passou de um instrumento para essas oligarquias, ou se está lendo os livros errados ou então se está lendo muito mal. Eu nem digo ler livros de história, mas, eu imagino, ler autores como Thomas Mann, Olga Tokarczuk, ou uma gama de outros de mesmo nível independente de qual país venham. Um livro bem lido, escrito por alguém com uma real elevação de pensamento, não permite jamais que alguém veja em Sílvio Santos ou em atores e jornalistas da tv próceres da grandeza cultural de um país. Pelo contrário, um livrinho, um livrinho só, desses que tem a nobreza intelectual de poder colocar os pés na mesa, lido com o devido envolvimento, já dá as bases para se saber os canalhas que esses "heróis" na verdade são.
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