segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Quanto mais Dostoiévski melhor


Ontem reli Memórias do Subsolo, que só o tinha lido em meus 18 anos. Reli de uma sentada, exultante como uma criança. Senti como Nietzsche disse ter sentido ao conhecer tal livro, irradiado por uma "alegria sem limites". Esse é, sem a menor sombra de dúvida e com todos os gritantes sinais visíveis, o livro fundador da literatura do século XX. Sob alguns sérios aspectos, é mais importante que os Karamázov. É maravilhoso, engraçado (principalmente as últimas páginas, em que aparece o impagável Apolón), sombrio, catártico, cheio de uma esperança e de uma fé paradoxal, de um desespero refinado. Tal livro, assim que se o lê, se percebe sua influência em Céline, Kafka, Bernhard, Beckett, etc. Estou lendo O adolescente pela manhã, e As sementes da revolta à noite, o primeiro volume da biografia de Dostoiévski escrita por Joseph Frank. Dostoiévski nunca é demais.

Um excerto que está por detrás da ideia de "2001" e "O Clube da Luta"

24 comentários:

  1. Charlles, Thiago Alves tá de prova que não faz uma semana que li este livro. Li como Notas do Subsolo, na edição da L&PM. Como disse James Wood (que reli logo em seguida), não há nada na história da literatura ("nem mesmo Diderot ou Stendhal", diz ele) que nos prepara pros personagens de Dostoiévski.

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    1. E relê-lo após ler O vermelho e o negro é um aprendizado e tanto, Paulo. O herói desse livro se parece muito com Júlian Sorel, sendo um exemplar muito mais inteligente e íntegro em sua consciência super-atrofiada. Viu o quanto o livro é deliciosamente engraçado? Há partes ali que me deu gargalhadas, como a descrição cinematográfica da frieza calculista do personagem Apolóno ao cobrar o salário, a cena impagável do jantar do personagem com seus inimigos de colégio. Já as longas reflexões do início são assustadoramente lúcidas e libertadoras, e se casam muito bem com as reflexões de Sorel antes de ser executado (que se pergunta sobre uma religião verdadeira, etc).

      Memórias me deixou em estado de êxtase.

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    2. Já escrevi, há mais de cinco anos, sobre Memórias, aqui:

      http://charllescampos.blogspot.com.br/2010/08/o-desabafo-do-diabo-algo-sobre.html

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    3. Me lembrei mesmo de Sorel. Quero comprar a edição da Cosac antes que acabe. Não me lembro de suas reflexões antes da execução (pô, li O Vermelho e o Negro em 2008).

      Comentei com Thiago sobre como o começo é engraçado. Aquele jantar... conheço muita gente assim.

      Me lembro desse texto. Um dos primeiros do blog, não?

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    4. De fato o Paulo o leu esses dias o "notas do subsolo", eu li o "vermelho e o negro" faz algum tempo, e até fiquei interessado nessa edição da cosac, mas já vi alguns erros nessa edição(na verdade na primeira edição, aquela com sobrecapa), que me fizeram torcer o nariz e permanecer com a minha edição da nova cultural mesmo.

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    5. Sério? Que erros são esses? Eu li naquele vermelhão da Abril, um volume mais empoeirado que tumba egípcia. Imortais da literatura, algo assim. Também li nela Moby Dick, Pais e Filhos, Werther, Orlando, vários livros que eu queria comprar de novo em edições melhores.

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    6. Tiago, não sei onde eu tinha lido algo sobre esses tais erros no Vermelho e o negro da Cosac. Motivado por isso, achei algumas frases no romance que me pareceram truncadas, cuja sintaxe era difícil de entender, daí comparei tais trechos à uma outra edição antiga da Globo que tenho aqui, e, pelo menos em relação a essa última, achei a da Cosac melhor. Stendhal tem um estilo muito peculiar, faz mirabolantes imagens com as palavras, daí penso que talvez tais estranhamentos venham do autor, não do tradutor (posso estar enganado). Mas, você poderia fazer o favor de apontar algumas dessas incorreções, se for possível.

      Hoje me chegou a Cartuxa, da Cia. Sempre um deleite ter um livro da Cia-Penguin: eles preenchem bem a volúpia dos sentidos. E o cara ter escrito essas 600 páginas em 53 dias.

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    7. http://miltonribeiro.sul21.com.br/2014/04/14/uma-morta-viva-invade-o-vermelho-e-o-negro-de-stendhal/

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    8. Este comentário foi removido pelo autor.

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    9. O link acima, mostra um erro, mas é um erro do próprio Stendhal, os outros que eu ouvi, foram em alguns vlogs, e era isso que o Charlles falava mesmo, a respeito da sintaxe, e um tanto empolado, mas já que tu fizeste as devidas comparações eu estou até tentado em colocar na lista de desejados, mesmo gostando bastante da tradução que eu tenho, mas o fetiche de ter essas edições da "prosa do mundo", são tentadoras, eu vou tentar achar os vídeos em que falavam a respeito, achando aqui eu posto aqui.

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  2. Acabo de comprar O Adolescente. Nunca li. A Elena diz que leu quando adolescente e identificou-se e gostou demais. Falou sobre uma narrativa meio fragmentada em cuja característica não reconheço Dostô. Leiamos.

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    1. O adolescente é uma peça excêntrica em Dostoiévski. Joseph Frank sustenta que as cenas de violência por que passa o narrador no internato nada tem a ver com a infância e juventude do autor, mas com a influência de Charles Dickens.

      Para os que se interessam a fundo em Dostoiévski, o livro do Frank é um deleite. Já nas 50 primeiras páginas o biógrafo desmente que o pai de Dostô tenha servido de modelo para o pai Karamázov, e coloca por terra as ideias despirocadas do ensaio "Dostoiévski e o parricídio", de Freud. Os pais de Dostô foram muito bons, segundo Frank, um pouco severos na disciplina, mas que nunca bateram em seus filhos.

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    2. Estou lendo pela primeira vez também. Era uma raridade encontrar em edição, mesmo as edições traduzidas do francês. Estou adorando. Um detalhe peculiar é que as ilustrações não são mais aqueles desenhos pesados e aquelas aquelas abstrações com acentos filosóficos dissonantes, mas fac-símiles dos rascunhos do autor. Cara, Dostoiévski é demais...

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  3. Um dos meus livros favoritos, Charlles. Memórias é tão grandioso que fica difícil elogiá-lo. Lembro-me com mais carinho dele do que de Crime e Castigo, por exemplo. Aquele final.... meu Deus, aquela última página...

    Charlles, algo sobre O sonho de um homem ridículo? Porque aquela novelinha também parece ter saído de mãos sobre-humanas...

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    1. Novelinha extraordinária, Diego, com certeza. O memórias tem muito a ver com ela e com Notas de inverno sobre impressões de verão. Minha meta é reler todas essas coisas esse ano. A releitura de Dostô está sendo muito melhor ainda que a leitura (única exceção é Noites Brancas, cuja releitura me mostrou uma obra ingênua e romântica em excesso).

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    2. Falta à editora 34 dois títulos fundamentais do Dostoiévski: Memória da casa dos mortos, e Diário de um escritor.

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  4. Também preciso reler Noites Brancas, mas lembro que gostei quando li. A única leitura de Dostô que não me agradou foi de A Senhoria.

    Não conhecia esse Diário de um escritor, bom saber. Sobre Memória da casa dos mortos, parece que temos de nos contentar com a edição da Nova Alexandria, que também publicou Humilhados e Ofendidos.

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  5. Caro Charlles Campos, seu blog é uma incrível descoberta para quem ama literatura. E como você escreve bem, da gosto de ler!
    Obrigado por seus textos. Não pare!

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  6. -essa consciência, é claro, tbm aparece em camus.
    -estou lendo os livros do erich fromm. não me lembro de ter lido sobre ele por aqui, mas me parece um cara de belas ideias sobre amor e liberdade.
    -e o cachorrinho do Eric (Eric?) espichando o olho pra ler o dostô.

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    1. Meu deus, depois de dias, entrando aqui de tempo em tempo pra ver se tinha atualização, só agora reparei no menino (está gordo, ein?) Dostoiévsky é mesmo ofuscante.

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    2. Não é nada fácil ser bebê. O Eric, já aos 4 meses, demonstra uma agonia insuportável para transpor o pobre horizonte da primeira infância e ser independente. Eu vejo na cara dele o desgosto expresso pelo choro estridente em andar, pular, sair por aí. De modos que nós passeamos muito com ele; a simples ida à garagem e ao quintal de casa já é um fascínio; ele tenta apreender o máximo de tudo olhando avidamente. É maravilhoso mas desgastante. E ele se acalma com música. Meus filhos tem a bênção de ter puxado o sangue do avô, pois a música é uma segunda natureza para eles (eles e eu). A Júlia me surpreende muito nesse ponto. Estávamos na praça e ela pega um galho no chão e começa a bater ritmado nas madeiras do banco: "Olha papai". Para meu espanto, era a introdução de N.I.B., do Black Sabbath. Outro dia ela me vem com o riff da Smoke on the water, executado com perfeição em um joguinho de guitarra pelo celular. Mas me pegou de surpresa quando, ao colocar a Cantata do Café, de Bach, ela ter gritado do quarto: "Papai, essa música se chama Café Longue". Eu não entendi o longue, mas a perspicácia quase sobrenatural da intuição do "café" me tocou fundo. Era nunca tinha falado para ela sobre aquela cantata, aliás acho que era a primeira vez que eu a colocava, pois nós sempre ouvimos mesmo é a maravilhosa cantata gêmea dos "Peasants". E o Eric dorme entre minhas pernas profundamente quando deitamos no sofá para ouvirmos música. Ontem repassamos até à câimbra em minhas pernas a discografia do Creedence. E ele praticamente desmaia sob a música de uma banda pela qual estamos apaixonados: Steeleye Span, uma fantástica banda de folk inglesa. Recomendo que escutem o álbum Commoners Crown, cuja música de abertura é linda e tem uma letra simplesmente assustadora.

      http://murodoclassicrock4.blogspot.com.br/2014/06/steeleye-span-discografia.html

      De maneiras que eu brinco com a Dani estar muito arrependido de não ter feito igual ao pai daquele jogador de futebol em ter dado o nome de Creedence ao Eric, e fico chamando-o agora de Creedence Clearwater Revival. E chamo também a Júlia de Eletric Ligh Orchestra e a Dani de Jambalaia (só de sacanagem).

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    3. A música a qual me refiro se chama "Little sir Hugh", cuja versão do Steeleye Span, segundo o site Allmusic, é "an extraordinarily brisk and upbeat sounding treatment of an incredibly grim song".

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    4. Último comentário do pai coruja: das definições que já vi sobre jazz, a melhor é esta: "O jazz é bagunçado, papai, mas é bonito" (Júlia). Nem o Dizzy pode com essa.

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