terça-feira, 6 de outubro de 2015

A balada de Adam Henry, de Ian McEwan



A balada de Adam Henry é uma surpresa na bibliografia de Ian McEwan. Nada de novo, para seus leitores, nas primeiras páginas até a metade do livro: encontramos ali a mesma prosa excepcionalmente construída, inteligente, profunda e ligeira (é incrível como a leitura de McEwan sempre se faz, para mim, em questão de deliciosos instantes ligeiros); encontramos a mesma construção pormenorizada de atmosfera para que o autor lance o leitor no centro da trama pretendida; os mesmos personagens multifacetados e seus diálogos e reflexões que os tornam tão familiares e humanos. Daí, como os leitores de McEwan bem sabem, começa a etapa sintomática do que eu propriamente chamo de "o momento em que o fôlego de McEwan começa a esmorecer", e da metade para o final da maioria de seus livros a trama sofre um decrescendo de interesse e passa a evidenciar a urgência do escritor em apenas amarrar as pontas soltas do início e concluir todo o mecanismo de maneira bonitinha e previsível, e o romance padece de empobrecimentos que vão do uso de clichês, didatismos, explicações clínicas pedantes sobre a doença de um dos protagonistas da história, e por aí vai. Assim, quando cheguei à metade de Adam Henry, após ter vibrado com cenas excepcionais e situações de suspense de primeiríssima qualidade, me dei de cara com esse momento mcewaniano e me preparei para suportá-lo da melhor maneira possível, com aquela gratidão tão comum em mim por me resignar com a metade fracassada da obra diante o deleite estupendo que a primeira metade oferece. Da metade para o final se inicia uma cena de viagem da juíza Fiona Maye, a personagem principal, pelo interior da Inglaterra, em encontros judiciários itinerantes em antigas mansões elisabetanas. Bocejei e apressei a velocidade da leitura, com aquela impressão de que McEwan enchia linguiça de maneira bastante canastrã. E a surpresa está justamente aí: a diminuição do romance, no caso desta obra, não é ardil e nem engodo de um escritor que notoriamente perde o equilíbrio da estrutura de suas composições, mas um ato que corresponde ao controle pleno para a mensagem que ele tem para oferecer no final. Esse é um dos livros mais tocantes e verdadeiros de McEwan, e um de seus títulos mais genuínos. É o primeiro livro dele, entre tantos outros que já li, em que ele não usa do grotesco, do macabro, da abominação, da patologia mental para enfeixar o conjunto de suas páginas. Ternura sempre houve em McEwan, incontestavelmente um dos maiores escritores vivos, mas ela se sustenta em negativo através da escatologia criminal que é uma das assinaturas do inglês. Por isso, fica-se esperando neste seu mais recente romance o momento da estocada em que a normalidade cederá para o abrupto caos e a distorção do pesadelo. Fica-se esperando o desenlace cosmético que geralmente é um truque de empolgação de McEwan para suplantar sua incapacidade de ser deslumbrante até o último momento_ a sua maneira íntegra de pedir desculpas. E neste não se vê tal artifício. O final da obra nos traz uma consciência delicada sobre o que é o humanismo institucional dos tribunais, com seu frio distanciamento jurídico, sua impessoal salvação e sua assepsia do desamparo, e o que é o contato humano legítimo entre duas pessoas alquebradas que tornaria a vida realmente esplendorosa. Na figura de Fiona Maye, McEwan tece uma reflexão poderosa sobre o contato humano, usando símbolos sofisticados que não caem nem um segundo na gratuidade, desde a música (o livro mais cheio de referências musicais dele), a religião, até o direito (o título original em inglês é bastante eloquente, The Children Act). O último capítulo é absolutamente tocante. Um McEwan excepcional!

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