quinta-feira, 3 de maio de 2012

Marte


Às vezes para combater a chatice da internet me ponho a procurar palavras absurdas ou opiniões sobre livros que já não me interessam mais. Ficava sem saber qual o motivo que me levava a  fazer isso, sendo que podia muito bem desligar a máquina e voltar a alguns de meus afazeres diários, até que tive a intuição de que meu intento secreto era cair esporadicamente em espaços virtuais abandonados, distantes no tempo e na geografia, zonas mortas de refúgio, blogs que esqueceu-se de apagar, espólios de defunto que a solidão ou alguns remanescentes da família nunca souberam que o tio misógino escrevia pequenos textos que mofam pelo blogspot e agora ninguém desativa a conta. Descobri que essa procura é uma derivação de meu amor incompreensível (eu nunca compreendi) por ficar horas apreciando pátios vazios ou praças atiradas ao descaso das plantas daninhas e bancos de madeira arruinados. Olhar para a pintura zelosamente escolhida como fundo desses blogs pessoais equivale ao meu vagabundeamento de adolescência por bairros distantes da grande cidade cujas casas com ar de invioladas pareciam uma parte de outro mundo, desprovida de presença humana. Às vezes o colégio me chateava de uma forma mortal e eu tinha que cabular as aulas afim de ter ar e sobreviver, ficando por cinco horas me exilando entre árvores cujas copas frondosas escondiam postes de luz cujas lâmpadas sempre ficavam acesas mesmo ao meio dia, sempre, de forma que quando a chuva era um adendo maravilhoso para essas aventuras eu ficava debaixo de uma cornija ou marquise hipnotizado por aquela luz atravessando o vidro molhado, as folhas esvoaçantes, o ar elétrico e o vento que não se atentavam a ninguém, acostumados a nunca serem vistos, desconhecedores da minha presença ali. Era como uma experiência de ser o meu fantasma, como se eu fosse aquele espectro de um garotinho que dizem ter aparecido no fundo de cena de um famoso filme de Hollywood, observando de uma outra frequência a atividade cronológica, sistemática e alienígena daqueles que persistem após a sua queda do oitavo andar. Esses blogs me trazem isso. Ontem mesmo achei algumas impressões de alguém sobre um livro que jamais me prontificarei a ler, cujo título digitei no Google quase ao acaso. Fui à página principal do blog e vi que a última postagem já dista de um ano. A pessoa, que não sei o sexo mas pelos vocábulos é de Portugal, o que faz agora, será? Por que não escreve mais ao blog? Morreu? Mudou-se para algum lugar distante?, fez a volta espiritual de 180 graus na vida?, fez o que ninguém nunca ousa fazer, abandonar tudo, transformar-se? Fica aqui o aviso para esse que visita esse espaço e não vê mais nenhum sinal de presença.

5 comentários:

  1. Gostei disso:

    "Olhar para a pintura zelosamente escolhida como fundo desses blogs pessoais equivale ao meu vagabundeamento de adolescência por bairros distantes da grande cidade cujas casas com ar de invioladas pareciam uma parte de outro mundo, desprovida de presença humana."

    Mais do que a pintura ou figuras de fundo, é interessante ler em um blog desativado a expressão em palavras das angústias de uma vida que se expressa nesse verdadeiro vácuo virtual, como um chamado de S.O.S. no vazio.

    Mas a verdade é que quando vi o título fiquei todo animado, pensando ser comentário ao meu livro anterior...

    Brincadeira.

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    1. Hahahahaha

      Aproveitando a deixa, quando vai escrever outro?

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    2. Normalmente escrevo 1 romance por ano; neste escrevi 2. Enchi o saco. De vez em quando, um continho e poeminha; com sorte, publico noutros blogs ou no da Rachel. Tô com umas ideias, mas não penso nelas para não cair na tentação, livrai-me de todo mal, amém.

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  2. Muito bom! Há surrealismo histórico aí. Vou fazer esses passeios também.

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    1. Grato, Farinatti. Esperarei para ler esses seus futuros textos.

      Forte abraço.

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