segunda-feira, 23 de abril de 2012

Experiências de Leitura (I)



Mais uma semana de férias pela frente. Três meses de licença prêmio, coladas a um mês de férias, em que viajamos por uma semana a Minas Gerais (decidimos ir a lugares mais distantes nas férias do ano que vem), e que me afundei em gratificantes variações de leitura. A vida de família é exigente demais para que eu ainda tenha a liberdade de antigamente de varar dias e noites na leitura, intercalada com períodos breves para lanches e cochilos, como certa vez ao ler Ulisses em quatro dias, e Os Demônios num recesso de carnaval. Quem é pai sabe da trinca no coração, quando nos fechamos no escritório nos fundos da casa e mãozinhas batem contra a porta chamando "papai, papai", e não há como não deixar o capítulo mais envolvente do romance que se está lendo, ou a parte mais instigante do ensaio de lado, e atender a esses apelos tão ternos e delicados. Mas mesmo assim, a contabilização de livros lidos neste período mostrou-se carregada de sinais significativos, que ao mesmo tempo desenham um diagnóstico sobre os caminhos da ficção e uma linha intuitiva dos meus interesses mais inconscientes sobre a escrita. 

Por exemplo: pouco há de comum entre livros como Como Mudar o Mundo, de Eric Hobsbawn, e Obras Reunidas, de Walter Benjamin, além dos interesses humanistas dos dois autores em pragmatizar através da análise da História as hipóteses de um mundo melhor; mas eu os li, quase lado a lado neste período, na febre eclética de saber um pouco mais o que se passa na cabeça de homens que ganham a etimologia desse termo por razões mais espiritualmente genuínas que os atributos da fita métrica cada vez mais medíocre e equivocada que vemos em publicações como nas revistas da editora Abril, que só neste meu intervalo de descanso lançou uma revista Super Interessante cuja capa brinca com a produção seriada futura de bebês "perfeitos", colocando a foto de um menininho de olhos azuis e cabelos louros; ou numa revista sobre História (que segue a rotina cimentada desse ramo nacional de se dirigir sempre a um eterno adolescente pré-vestibulando que pode se julgar um gênio emancipado por ser o seu alvo diretriz privilegiado) que revela enormes benefícios científicos promovidos pela ciência nazista, como informações pontuais sobre o tempo limite de pressurização que uma pessoa aguentaria num submarino (graças ao desabnegado sacrifício imposto a um prisioneiro de campo nazista que aguentou 15 segundos antes de morrer, aparecendo as fotos do antes e depois com o distanciamento asséptico de estar-se vendo um porquinho-da-índio num laboratório), e com a figura da capa sendo uma estigmatizada suástica com desenhos suficientemente amenizados do bigode de Hitler, máscaras de gás e tanques de guerra, que poderia ser usada como papel de parede num quartinho de bebê (o bebê ariano perfeito da outra revista); ou a última capa da Veja, que aponta festivamente a descoberta de que pessoas altas vivem mais e são mais bem sucedidas que pessoas baixas (!!!!!). [Há de se fazer aqui o uso cacofônico de uma chave, coisa que acho jamais ter feito neste blog e que não recomendo a ninguém que queira escrever um texto minimamente desobstruído de interrupções gratuitas de fôlego faça, mas essa matéria da Veja merece um adendo rápido: de onde, por Tutátis, eles tiraram isso?? Homens altos são, sob todos os aspectos de sucesso possíveis (até o da longevidade), melhores que os homens baixos??? É realmente eloquente a fé da Veja sobre o quão devem ser homenzinhos e mulherezinhas beirando o nanismo cerebral os leitores que lhe restam para se distraír com fabulações sem pé nem cabeça como essa e não se atentarem na verdade criminosa que subjaz nos porões desta revista. Qual a altura de Carlinhos Cachoeira? Basta umas simples concatenações de informações nestas cabeçinhas dispersas para destituir a tentativa de tal reportagem: para os que se ocupam com a literatura, há mil escritores baixos para cada um alto; há mil Faulkners para cada um Bertrand Russel, mil Naipaul para cada Hemingway; mas para a maioria de adeptos sequazes da felicidade terrena do capital que a assinam, Zuckerger tem 1,70 (não necessariamente alto); e, nesta pesquisa  de um programa do SBT em que se questiona qual o maior brasileiro de todos os tempos, a resposta certa seria Joelisson Fernandes da Silva, do alto de seus 2,3 metros.]

Mas voltemos ao assunto (?) do post. Nestes meses descobri que um simples conto de Juan Carlos Onetti, como, por exemplo, O Obstáculo, vale mais que toda a centena de contos que Roberto Bolaño escreveu. E essa é uma descoberta que fundamenta a certeza de que a literatura exige uma seriedade cíclica de seus renovadores para que a insurgência de coisas realmente brilhantes não fique apenas na intenção. Faz-se necessário que o escritor volte escalas mais pregressas de influência para ter a lucidez de que, muitas das vezes, a Substância criativa está, realmente, há uma ou duas gerações de distância. Li o maravilhoso livro de contos completos de Onetti publicado na série listrada da Companhia das Letras, umas três semanas após ter lido o apenas competente Chamadas Telefonicas, de Bolaño. Onetti despertou em mim a lembrança da época em que a escrita era aterrorizante e infinitamente compensatória de quando eu penava por procurar a musicalidade mais íntima e precisa para as minhas redações do colegial. Naquela época eu tinha a absoluta convicção de que seria escritor, e nem me passava a mais remota preocupação se seria lido ou não. Meus autores sacramentados eram gente que tinham a marca natural rara de serem escritores natos, homens a quem nenhuma outra atribuição profissional se acondicionava a suas independências de predestinados que não fosse a da escrita, e que eram portadores de uma felicidade imensa sobre todos os outros da espécia: o talento da escrita. Faulkner era meu modelo imprescindível. E agora, ao conhecer esses contos de Onetti, me veio de volta essa zona de conforto inadmoestável imune das insuficiências do dia e das exigências das contas de aluguel ou mesmo do leite das crianças. No prefácio deste volume de contos, Antonio Muñoz Molina traça um belo retrato de Onetti. Não há como não excitar o adolescente em mim que um dia escolheu a literatura como cátedra. Onetti, diz Molina, ao vê-lo em uma entrevista a uma televisão espanhola, era absolutamente descansado em relação à sua imagem de escritor. Não professava o iconicismo típico dos escritores em se acharem a azeitona da empada ou a cereja do bolo. Não acatava a escrita como um martírio fordiano das dez mil palavras datilografadas por dia, e da compulsão da ditadura das musas por sempre estar debruçado por sobre a máquina no quartinho escuro. Calmamente, ele tratava a literatura como um exercício livre, que podia acontecer agora e o ocupar durante dois dias inteiros, ou deixá-lo sem escrever por semanas e meses. Ele, que fora de tudo na vida, via a literatura não como distintivo de nobreza espiritual, mas como necessidade acalentada e desobstruída de vaidades em vencer a opacidade da existência através de investidas sincronizadas contra o mesmismo. E, desta forma, quem pode negar que contos como O Inferno Tão Temido e Um Sonho Realizado, dois entre os maiores já escritos por estas terras ou quaisquer outras no século passado, não tornam Onetti investido da nobreza e elitismo tipicamente inerentes aos grandes escritores? Bolaño vive referindo-se à depressão e à escrita compulsiva, nitidamente querendo convencer a musa através de uma pedantismo sutilmente rasteiro, mas o que me veio de forma mais poderosa da releitura hoje do conto de Onetti, O Obstáculo, é que Onetti tem esse eco fisiológico, esse emplasto físico de grudar no ouvido e na alma e nos obrigar a matutar sobre a enorme demonstração de experiência multitudinária ali impressa, durante muito tempo. A mesma característica vencedora do tempo que um conto de Tchécov tem se passando cento e cinquenta anos e nos afixando nas linhas vestigiais da idade de nossas almas como uma lembrança eterna. A alta literatura tem essa característica: a de nos convencer que nasceu  bem antes no tempo e cuja função é sempre a de nos lembrar de coisas que transcendem a nossa existência. Nos fazer atingir o que nossos pés no chão juravam ser inatingível. Por isso, não há nos contos de Bolaño, uma única frase que faça acender a indistinta lembrança, a inenarrável saudade; nos contos de Onetti isso nos é oferecido perigosamente em excesso. Meu livro está de alto a baixo todo sublinhado. Esses quatro meses, entre tantas experiências de leitura, me mostrou de forma incontestável que Onetti é o maior escritor latino-americano.

33 comentários:

  1. Estou sem tempo para ler agora, mas não podia deixar de comentar - onde é que você arruma essas fotos? Fantástico!

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    1. É só ter paciência e procurar além da primeira página do Google Imagens.

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    2. Isso eu sei. O que me intriga é que diabos você digita na busca.

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  2. Seu Charlles é a mania de comparar autores tão diferentes. Não precisava. Onetti é, sem dúvida, superior a Bolaño, e não apenas no conto.

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    1. Comparei, Cassionei, por haver lido os dois neste período de férias de 4 meses. Fez parte de minha experiência de leitura. Mas a dicotomia de qualidade entre Onetti e Bolaño expressa um pouco o caminho por onde a literatura latino-americana vai nestas últimas duas décadas. Onetti também é muito superior, no que tange ao conto, a Garcia Márquez, e eu conheci Garcia Marquez vinte anos antes de conhecer Onetti. No prefácio de Molina (que também é um autor que eu não conhecia, mas que escreve tão bem que vou atrás do seu romance policial Lua Cheia)ele diz sobre o quanto era difícil conseguir obras de Onetti, num tempo em que Llosa, Cortázar, GGM eram chaveirinhos nas livrarias, e mesmos leitores mais "sofisticados" (na palavra dele), que liam Borges e Alejo Carpentier não conheciam Onetti. Há pouco que Onetti começou a ser publicado em grandes editoras no Brasil_ há uma edição de contos antiga e esgotada pela Cia das Letras.

      Talvez seja só cacoete meu, mas vejo sentido nessa literatura comparada e o reflexo na qualidade da escrita do continente hoje.

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    2. De qualquer forma, são sempre bem escritos e fundamentados teus textos.

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  3. Partilho da estranheza do Cassionei sobre a comparação entre Bolaño e Onetti. São autores de motivações, épocas e origens muito distintas. Seria como comparar Daniel Defoe a Henry James, ou ainda Henry Fielding a Oscar Wilde.

    A justificativa da revista Super Interessante à "ciência nazista" deve pretender compatibilizar sua produção ao seu posterior aproveitamento por cientistas nos EUA.

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    1. Onetti morreu 9 anos antes que Bolaño, Rachel. Eles não estão tão distantes no tempo. Mas tá, tá, reconheço minha abstração sobre essa comparação. Talvez eu só chateie quando toco neste assunto e nunca convence ou proponha uma reflexão, ainda que para mim esteja claro que os autores nacionais prodigalizem as facilidades de um estilo bolaniano aos esforços de uma narrativa completa e instigatória onettiana.

      O que acontece com a imprensa brasileira é o marasmo da sensação de reflexo da classe dominante. Ela imagina uma classe dominante com nível de renda A e gostos culturais e inteligência nível E. E a classe dominante, à força de confirmar sua flacidez moral e sua pequeneza terrena mercadológica, se deixa representar por ser realmente assim. Entre as tantas estupidezes faltava a do eugenismo. Segue qualquer oposição franca em completo silêncio conivente.

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    2. Querido Charlles:

      Em defesa de minha consorte devo dizer que Onetti morreu literariamente décadas antes de Bolaño; a escrita dele parece rescaldo do existencialismo cético burguês que grassou pelas décadas seguintes à Segunda Guerra, talvez por cuklpa da Guerra Fria. O existencialismo lisérgico de Bolaño é rescaldo dos becos sem saída da geração e seguintes de 1968. Ano em que, aliás, nasceu minha queridíssima esposa, aliás, em Maio, aliás, m~es que vem, aliás, isso não tem nada a ver.

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    3. Concordo plenamente. Definiu bem a escrita de Onetti e Bolaño. Frutos de seus tempos, mas não descarta a excelência de Onetti.

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    4. Discordo, Marcos.
      Onetti não ser lido no Brasil é azar do leitor brasileiro e não sintoma de que a sua oeuvre é datada. Tanto é equivocada a sua opinião de que sua literatura perdera relevância décadas antes de Bolaño que, salvo engano, Onetti recebeu o prêmio Cervantes em meados da década de 80 e foi cultuado na Espanha até a sua morte. Acho também um pouco reducionista ler Onetti como um simples pastiche de preocupações e temas do existencialismo Europeu da Guerra e Pós-guerra. Onetti não é Unamuno (tinha muito mais talento de novelista que o Espanhol). Também nunca foi afeito ao novelismo de propaganda filosófica de J.-P. Sartre e S. Beauvouir. Só para ficar em outro espanhol do Existencialismo que você se refere, ignoro se Onetti leu Ortega Y. Gasset, ou se o programa do primeiro tenha causado impressão no jovem Onetti.
      Enfim, Onetti só não é mais universal porque foi irremediavelmente latino-americano.

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    5. Tocou no cerne, Luiz!

      O que me espanta mesmo, literalmente, é o desconhecimento de Onetti pela atual literatura brasileira. Não vejo citação do nome dele pelos ficcionistas nacionais. Há um enorme desconhecimento da excelência do uruguaio. O que quis dizer sobre Bolaño é que pessoas iguais o Galero e o Terrón mencionam por demais esse autor como se a literatura latino-americana se restringisse a ele, não houvesse um passado de glórias que só é passado por a ignorância deles determinar isso. Entre os autores americanos não há, em momento algum, um esnobismo burro em cima dos escritores canônicos daquela nacionalidade, não há um reducionismo da importância de Faulkner como se faz em relação a Garcia Márquez por parte de alguns romancistas desse lado de cá do continente, que estupidamente quer tecer uma discriminação utilizando imagens do mercantilismo neoliberal como os termos de McCondo etc. Philip Roth e Bellow, p. ex., que tem uma literatura muito diferente a Faulkner, nunca foram denegridores de Faulkner, sendo mesmo pelo contrário, reconhecendo nele um dos fundadores da literatura norte-americana do século passado.

      Dê uma vista de olhos no site de Cia das Letras, nos post do Terrón, daquele guitarrista dos Titãs que também escreve; há um totenismo de bolaño como se ele tivesse inventado a escrita do continente, como se ele tivesse desbravado um território virgem. Não citam o que qualquer escritor sério e comprometido jamais ignorariam, como os nomes de Llosa, Márquez, Cortázar, Onetti. É fácil deduzir que são escritores rastilhos de pólvora, modísticos, sem o mínimo fundamento da matéria que procuram dominar.

      Aí está a relação que tentei fazer entre Bolaño e Onetti no campo da leitura atual. Nenhum leitor profissional desconsideraria Onetti. Isso é um sinal da enorme mediocridade das letras dessa parte do mundo.

      Abaixo a literatura rala e constrangedora de Festa no Covil e essa merda toda!

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    6. Nenhum pecado em nossa alma latino-americana é maior que esse:

      "Enfim, Onetti só não é mais universal porque foi irremediavelmente latino-americano."

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  4. (como é bom ler charlles campos. férias longas a charlles campos! - como se fosse preciso desejar)

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  5. Êêêê... bão, acho que teria que tecer considerações demasiadamente extensas sobre as contestações do Luiz. Tentando sintetizar (exatamente o que tentei fazer acerca do Onetti), diria que a abordagem existencialista não se resume a Sarte e esposa; existiram outros tais como Kierkegaard, Heidegger, Camus... Onetti é da linhagem do trágico no vazio sem deus, entregue à materialidade vulgar dos homens, mergulhado no desespero da disfuncionalidade. Se quiser misturar o Ortega y gasset aí, tudo bem, fica no bojo de uma discussão que varreu as primeiras décadas do século XX, acentuada pela modernidade trazida à força no bojo de duas grandes guerras e o mergulho nas águas frias do confronto absolutamente materialista de capitalismo x comunismo.

    Onetti não é pastiche disso tudo aí, ele só tá no contexto.

    Por fim, pessoalmente, considero-o chato pra caralho. É uma opção pessoal: meu negócio é rir do trágico, às vezes cair na melancolia, mas na maioria das vezes descartar a dor pelo que há de ridículo nela. E o Onetti é um produto engendrado na complexidade burocrática da razão ocidental; se você a manda pastar, ela retorna com seus complexos de autoridade. Tô me lixando.

    Daí que prefiro o Bolaño, que tem coisas a dizer para aqueles que não só bebiam e fumavam como os velhos intelectuais do século XX, mas viveram o universo das drogas sintéticas e meios virtuais do século XXI. O que não quer dizer que não goste de literatura de qualquer tempo. Mas para mim, ó, sintetizando o máximo mesmo: Onetti não me interessa nada.

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    1. Onetti não tem essa seriedade retorcida e carrancuda que "não ri do trágico" como você diz, Marcos. Seus textos tem mais que laivos de humor, muitas vezes um humor que toca o picaresco de contos de Faulkner como "Noblesse Oblige". Há um conto intitulado "O Possível Baldi" que o personagem título resolve, por um efêmero momento, seu descontentamento com o marasmo do cotidiano, e já que citou as drogas, a resolução da história passa por uma inventiva simulação de traficante de cocaína. Em Baldi há não só a magistral trama condensada em cinco páginas, como ritmo, diálogo, insinuações de riquezas idiossincráticas de vida pregressa. Onetti retoma as lições de que uma história deve ser sugerida em vez da mera literariedade jornalística da maioria dos contos de Bolaño. Os contos de bolaño que, a meu ver, são passados de chatos, à diferença das únicas obras magistrais dele: "2666" e "Noturno do Chile".

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    2. Olha, eu não li essas porras desses contos não, mas li A Vida Breve, e A Vida Breve é foda de aturar.

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    3. A Vida é Breve é um dos melhores e mais brilhantes romances latino-americanos de todos os tempos. Foda de aturar para mim é coisa supervalorizada como Pedro Páramo_ aquilo sim é um romance chatíssimo, pior que qualquer outro do mais chão nordestinismo da literatura brasileira.

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  6. Pô Charlles, não dá pra levar tão a sério essa turma do livros do mal. Alguns como o Pelizzari ou o Cardoso até se salvam (por uma coincidência miserável, não foram pra Companhia). Mas o Daniel Galera é muito fraco. Li aquele livrinho de contos que ele liberou online e preferi dar margem à dúvida e pensar que era fraco porque ele escreveu muito jovem. Mas li sua ultima publicação, o roteiro da HQ Cachalote, e vi que o problema está no autor mesmo, que parece não ter melhorado. O Terron é melhor, mas tem um problema para aceitar críticas, e uma ânsia sem sentido pelo experimentalismo vazio. Só li o Não há nada lá, e creio que ele possa ter melhorado. Tony Belloto é um autor de referências ralas, sempre deslumbrado por ser um roqueiro-escritor. Não li seus livros, então não posso comentá-los.

    Prefiro a turma da Dicta & Contradicta, ou a da Não Editora, ou nomes como Sérgio Rodrigues que, apesar de às vezes prepotentes e teimosos, e de terem umas ideias fixas, são bons leitores, sagazes e sabem escrever.

    Nunca li Onetti, mas pretendo comprar os contos completos quando sair por essa coleção da Folha, de capa-dura por R$17.

    http://ibero.folha.com.br/juan-carlos-onetti-volume-25.html

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    1. Pô, Paulo, você tinha que dizer assim na bucha que o livro que eu comprei por 49 vai sair daqui umas semanas por 17 reais? Não tinha como maneirar e contar de vagarzinho não?

      O livro é ótimo e, falando agora livre do impacto, é importante que se sirva para a popularização de Onetti.

      Li dois contos desses do Galera, inclusive já até comentei num post, e realmente é um autor que não me despertou o mínimo apreço. Disse com precisão sobre o experimento vazio do Terron. Há um livro dele sobre bêbados e androides, ou coisa que o valha. Há uma falta de maturidade nas letras atuais brasileira que parece epidêmica, uma distorção do papel da escrita em busca da fama de astros de rock e das poses reacionárias da adolescência.

      Onetti neles!

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    2. Hahaha! Tem outros livros interessantes na coleção. Os que eu já tenho não foram tão mais caros que os 17 pilas - O Livro de Areia, Respiração Artificial, O Túnel. Vou tentar o Alan Pauls quando sair.

      Eu me lembro do post sobre Galera, que comparava com Hemingway.

      Essas famas e poses são, em parte, herança do Kerouac... Hehehehe.

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    3. Eu vi lá no link. Capas duras e as fotos das capas são excelentes (a do Suicídios Exemplares, então!).

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    4. Contra o gosto não há argumentos, Marcos.
      Claro que o Existencialismo é mais do que J.-P. Sartre e Beauvoir. Citei Unamuno e Ortega Y. Gasset só para ficar na Espanha (já que você falava de influência do existencialismo em Onetti). Tentei arrolar também nomes do existencialismo que tenham ou flertado com a literatura ou que a influenciaram de alguma forma. Desconheço qualquer novelista que tenha usado Sein und Zeit de maneira consistente como base ou do plot, ou do universo, de sua ficção. Afinal, Heidegger está muito mais para E. Husserl (falo aqui especialmente de Sein und Zeit) do que para Kierkegaard ou Camus.
      Não que eu não conceda que Onetti flerta com a malaise do pós-Guerra que caracterizou o existencialismo. Mas em Onetti faltam os cacoetes filosóficos de um La Nausée e nem graçam na obra de Onetti personagens como Roquentin, desses com os quais se poderia topar numa daqueles tardes de primavera de colóquio filosófico informal à margem do Seine. A Malaise do pós-guerra (que também graça em La Peste de Camus e em La Chute) são para mim um encontro fortuíto em Onetti.
      Mais a mais, acho que Onetti pode ser melhor caracterizado como pessimista (nesse ponto acho que vocês dois têm muito a dizer um para outro, inclusive). O universo onettiano é resignado não por causa de um sistema filosófico subjacente (como é o caso do Absurdismo em Camus) ou do desvelamento do mundo burguês no Caminhos da Liberdade de Sartre. O universo Onettiano é pessimista porque simplesmente era assim que lhe pareceu a partir dos Pampas.
      A Vida Breve apresenta esse pessimismo com humor? Não, você tem razão nesse ponto. Mas estou com o Charlles em afirmar que muitos outros contos tal humor aparece.
      Eu gosto particularmente de um conto chamado Bienvenido, Bob (reunido em Tan triste como ella), que versa sobre a recepção do jovem idealista no mundo resignado dos homens.

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    5. Não sei se tenho um defeito teratológico em ver humor nas coisas mais herméticas, Luiz, mas A Vida Breve me veio com muitas tiradas de fino humor amargo, principalmente nos diálogos.

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    6. Também sorvi esse humor, Charlles. Fora de tempo meu comentário, mas Onetti tem me oferecido tantos ares renovados que deixo aqui minha impressão de que Onetti escrevia para leitores que aceitassem a condição de tomar parte no universo de Santa María. Não de um modo interlocutório apenas, mas na visceralidade do pensamento que tenta adivinhar o que se passa no espírito deste ou daquele indivíduo que supostamente compartilha também do amargura.

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  7. Charlles,
    A foto do Onetti aí é sensacional.
    Quando tiver um tempinho depois colo alguns trechos do Construcción de la Noche, uma biografia literária de Onetti escrita pela jornalista Uruguaia Maria Esther Gilio. Gilio entrevistou Onetti por umas cinco ou seis vezes nos derradeiros anos do escritor (salvo engano as entrevistas se passam entre um span de 10 anos ou mais) e a biografia traz conversas impagáveis do escritor com a mesma. (Consta inclusive que algumas das entrevistas foram dadas por Onetti da cama, averso como era Onetti ao midiático intelectual e dada a avançada agorafobia do escritor). O livro traz também uma galeria de fotos do autor. Uma pena estar esgotado.

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  8. Estou que procuro meu volume de A vida Breve aqui, mas a casa tá uma zona. Eu sublinhei várias frases à medida que lia. Onetti é o maior frasista da literatura latino-americana. Aproxima-se de Shakespeare e Joyce. Ele é generosa nisso nos contos também. E nessas frases, assim como reviravoltas de cena se fazia em uma sentença de Rei Lear e Macbeth, que estão as riquezas das tramas paralelas (muitas vezes apenas velada), da psicologia dos personagens, e do referido humor sofisticado. A Vida breve não deriva dessas qualidades.

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  9. Olá, Charlles, quanto tempo?
    Gosto demais de entrar nestas postagens antigas. Promove um prazer estranho. Algo entre o voyerismo de se entrar na casa de alguém quando ele está viajando e o sonho de uma viagem ao passado. Mas, tergiverso.
    O objetivo deste meu comentário anacrônico é apenas registrar uma coincidência. Agora, quase dois anos depois de você, li, também, com intervalo de semanas, Chamadas Telefônicas, de Bolaño e o livro de contos reunidos de Onetti (tenho a edição em espanhol, cuja capa é essa que você colocou no post, a dele com o revólver). Teu texto, como sempre, é inteligente demais. E teus comentaristas somam muito. Fiquei feliz em ler tudo isso. Eu gostei de Chamadas Telefônicas, gostei mesmo. Mas Onetti, cuja leitura eu estava me devendo, tem contos impressionantes. Concordo com teu destaque para "O Obstáculo", e também para "Possível Baldi" e "Um sonho realizado". Gostei também de "Bienvenido, Bob" e de "Esbjerg, en la Costa". Grande post.

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    1. Chegastes atrasado, caro amigo. Há muito li sua ótima resenha sobre Bolaño e inclusive rendeu um texto, aqui:

      http://charllescampos.blogspot.com.br/2014/02/o-mais-triste-dos-tristes-escritores.html

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  10. Você é impossível Charlles. O ritmo lento que me inflijo, atarantado entre tantas coisas, é incapaz de acompanhar tua voracidade como leitor e escritor deste blog. Maravilha de texto, novamente. Quero ler mais Bolaño, para poder conversar contigo. Mas agora, estou lendo, finalmente "Afirma, Pereira". E relendo alguns contos do Onetti. Abraço!

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  11. Ah... e gostei também dos comentários e debates sobre Mia Couto. Sabes o quanto gosto dele. Nunca li Coetzee. Peguei na estante da livraria o "Desonra". Li algumas páginas em pé, gostei, mas não voltei a ele. Está na lista... Porém, o livro de ensaios vou deixar passar.

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