quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Senhorinhas

 




A Júlia adora senhorinhas. Quando ela vê uma senhorinha andando pela rua, com seu jeitinho fofo, ela me diz: "olha só que linda, papai, aquela senhorinha!". E eu invariavelmente respondo: "realmente é um encanto. Quem vê nem imagina que ela já foi de uma quadrilha violenta de assaltantes de banco". A Júlia de primeiro se admirava: "mesmo, papai!", e quando via que era brincadeira minha ela ria e dizia: "deixe de bobeira, papai". Se ela via uma senhorinha e cantava a meiguice de seu passo desbravador pela rua, eu dizia: "linda! Mas ela acaba de colocar chumbinho nos portões de cada vizinho que tem cachorros do bairro". Ou eu digo: "que coisa delicada! Ninguém imagina que ela esganou a irmã gêmea e escondeu o corpo num baú". A Júlia se delicia com essas barbaridades e sempre ri me dando bronca. Uma vez, de frente à livraria da cidade, quando saíamos com alguns livros, uma dessas senhorinhas, sentada numa cadeira de fio na calçada de sua casa, pega o Eric pelo braço e começa a mexer no cabelo dele. "Que menino bonito, vem cá na vovó". E o Eric, envergonhado, para e responde sobre seu nome, sua idade, essas coisas. Entramos no carro e todo mundo encantado com a fofurice daquela senhorinha, e eu digo, taciturno: "Ela mandou matar o marido há vinte anos, que agonizou no mesmo lugar em que ela está sentada. Ela foi presa por uma semana, subornou o delegado e os policiais e foi inocentada. Tinha as fitas telefônicas com as gravações da conversa dela com o pistoleiro, que foram todas apagadas". A Júlia, a Dani, e mesmo o Eric se admiram de eu ter dessa vez me aprimorado com tantos detalhes, e a Júlia retruca: "nossa papai, deixa de ser bobo". E eu insisto: "dessa vez é verdade, ela é a dona Adélia, tem dois filhos que desde então não conversam mais com ela". Precisei de dias de insistência pra convencer os três.

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