Quando estou melancólico, eu nunca espero os sinais mas eles sempre vem. Hoje foi ao sair de carro, no início de uma tempestade furiosa que cai com tudo agora sobre a cidade. Nós estávamos no bairro mais afastado, um belo e pacato lugar onde moram os mais pobres, onde os idosos ficam nas portas das casas em conversas alegres e arrastadas; então uma senhorinha, que parecia ter já seus oitenta anos, andava de frente a meu carro, no meio da rua. Ela carregava um fardo de lenha nas costas e, apesar de eu estar dirigindo muito lentamente para não assustá- la, quando ela me percebeu fez um movimento rápido para o lado da calçada, uma espécie de pulo jovial que bem poderia ser feito por uma menina de 10 anos. Passei por ela e ela virou o rosto para nós com um sorriso deslumbrante, cheio de imortalidade e vida. Aquilo deixou todos nós radiantes. "Como ela é linda!", a Dani disse. A Júlia disse: "Papai, parece aquela cena do Powaqqatsi". Já eu estou com o rosto dela nítido na cabeça e meu coração está cheio de esperança e conforto. Talvez isso esteja na raiz daquela crença judaica de que 36 pessoas, absolutamente desconhecidas e sem relevância social alguma, justificam a persistência do mundo. Nada pode com essa senhora, nem a guerra, nem a doença, nem a ignorância assassina. Tudo nela é espírito e fé.
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