quarta-feira, 24 de maio de 2017

Na pior em Paris e Londres, de George Orwell


Esse livro me foi entregue ontem e eu o li inteiro, deitado na biblioteca (ouvindo Soft Machine). Uma obra imprescindível, visceral, (bastante engraçada, como não deveria de deixar de ser), e muito humana e instrutiva. O relato dos anos de miséria absoluta em que Orwell viveu em Paris e Londres, desempregado ou submetido a sub-empregos devastadores. Claro que me passou pela cabeça como seria o impacto de um livro destes se o brasileiro médio o lesse (e nessa categoria coloco várias pessoas que se acham bem colocadas na sociedade, doutores, professores, funcionários públicos, mas que purgam no mais lancinante atraso). Quem entre essa espécie iludida continuaria a defender as reformas trabalhistas e o resto da destruição de tudo que está a acontecer no Brasil hoje. Quem entre esses cegos lastimáveis, vítimas de si mesmos, continuariam a ter essa visão rasteira sobre manifestações socais e sobre "vandalismos" de se quebrar vitrines de bancos ou janelas de prédio públicos, após ler essa obra-prima de Orwell. Orwell consegue um emprego de auxiliar do auxiliar de garçom em Paris. Trabalha 16 horas por dia, de segunda a segunda. Ganha menos do que seria possível para sobreviver. Trabalha em porões sem ventilação, sob uma temperatura que vai de 40 a 55 graus Celsius (está tudo lá, com amplos detalhes, basta ler), entre outros homens mantidos em tal sub-humanidade que se xingam, são acometidos por várias doenças, levam socos de seus patrões, são chutados para o lixo diariamente pela escala quase infinita de sub-chefes. Mesmo depois de sair dessa situação e conseguir, anos depois, uma certa estabilidade financeira, esses anos cobraram caro do autor: Orwell morreu jovem, aos 47 anos. Na época_ anos 1930_ , a França não tinha salário mínimo e nenhuma espécie de seguridade trabalhista, tanto que nos relatos do livro fica claro que os empregados eram descartáveis, substituídos pelos que vinham na sequência na fila dos famélicos do lado de fora. Que bom seria um pouco só de esclarecimento neste país angustiantemente assolado pela doença dos que se acham melhores do que os outros. Somos todos pobres, todos nós brasileiros. (Eu sei, eu fico com um grande peso de consciência de falar de literatura nesta hora em que se cobram ações imediatas e contundentes. Tudo que não seja a denúncia indignada contra a dilapidação assassina que fazem contra o Brasil, é frivolidade.)

7 comentários:

  1. Talvez meu Orwell favorito. Me lembro das gargalhadas que dei quando ele fala que imaginava o trabalho na cozinha do hotel como um monte de cozinheiros alegres assoviando e quebrando ovos, mas chegando lá foi um inferno. Aquele capítulo das gírias é sensacional. Necessário, Orwell é sempre necessário.

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  2. Até hoje, anos depois de tê-lo lido, sempre que eu vejo uma bagana de cigarro no chão, eu lembro desse livro.

    Charlles, viu que no mês que vem a Cia das Letras lança finalmente o último livro do Pynchon aqui no Brasil? "The Bleeding Edge" saiu nos EUA em 2012, se eu não me engano; aqui vai se chamar "O último grito". E parece que até o fim do ano teremos uma reedição de "O Arco-íris da gravidade". Aleluia!

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  3. Tem cenas inesquecíveis mesmo.

    Vi sobre esse lançamento e o relançamento do Arco-íris da gravidade. Tem muita gente comemorando, principalmente esse último. Já o título que arranjaram para o Bleeding Edge me parece péssimo (a tradução não deve ser o PHB, ele não admitiria tal coisa_ soa às traquinagens do Galindo). Mas, no mais, são ótimas notícias.

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    1. A tradução é do Britto, quem nos informa é justamente o Galindo: http://www.blogdacompanhia.com.br/conteudos/visualizar/Em-traducao-Thomas-Pynchon

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    2. O título "O último grito" não é digno nem para o autor nem para a inteligência de seus leitores brasileiros, e traz uma insinuação bastante infeliz, uma brincadeirinha que realmente leva o jeito do trabalho do Galindo (lembro, em Graça Infinita, a absurda aparição de estrofes de uma das letras do Legião Urbana), ao remeter à antológica primeira frase de O arco-íris da gravidade: "um grito atravessa o céu". Ou seja, último grito é estilo uma propaganda tosca de que "aproveite agora porque o cara tá com 80 anos e vai morrer, é seu último grito".

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    3. Pô, queimei a língua. Mas que coisa estranha! (A meu favor digo que o próprio Galindo escreveu em um artigo que os títulos da Companhia das Letras são escolhidos em uma junta de tradutores e editores.)

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  4. O que houve Charlees para ter me bloqueado no Facebook?

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