terça-feira, 14 de novembro de 2017

Canadá



A violência sensorial do Brasil anda tão grande que a gente perdeu a capacidade de saber o que está acontecendo. Tudo virou clichê e tudo virou meme. Pelo que eu consigo compreender, Bolsonaro será o próximo presidente. Por onde eu vou eu escuto pessoas aprovando Bolsonaro. Não apenas o aprovando, mas o tendo como um ser altamente redentor. Ontem um amigo me chamou para uma roda de conversa (por pura sacanagem), enquanto eu pegava meu notebook no carro, e lá estavam todos falando que "enquanto Bolsonaro não for presidente deste país, a situação ficará assim". O tom é aquele tom rançoso do imbecil, corrupto, patriarcal, machista e misógino, que se acha o baluarte da moral, puro e cristão. Nessa roda de conversa falava-se as mesmas coisas de sempre: o que liderava o assunto se mostrava preocupado com o futuro do filho porque, não sendo ele casado com a mãe da criança, temia que a mãe, solteira, levasse o menino para o mau caminho. Era tanto clichê que me vinha a impressão de uma cena montada, de que eu vivia em um sketch televisivo de péssima qualidade. Horas mais tarde, me deparo com mais pessoas endeusando Bolsonaro. Leio manchetes que apontam uma aproximação do mercado com Bolsonaro; percebo a arregimentação estratégica em torno dele para fazê-lo representante dos interesses oligárquicos. De modos que eu não tenho dúvida: Bolsonaro vencerá as eleições do ano que vem. O Brasil é o país que não nos deixa em paz: é impossível você comprar um pãozinho, levar o cachorro para passear, beijar sua esposa e afagar seu filho sem que a portentosa sombra do país esteja ali, mostrando-se presente, não te fazendo esquecer que você vive nele, respira ele, come ele, o sustenta com onerosíssima sofreguidão. Por isso eu não tenho como negar que meu estado espiritual contínuo seja o do desespero. Volto para casa hoje de madrugada, após cumprir um plantão, ouvindo no carro a sinfonia Júpiter que finalmente consigo baixar, após uma luta de uma semana, no site do PQP Bach, e vejo o cidadão do carro em frente ao meu jogar uma latinha de Coca-Cola pela janela, assim, com incrível leveza, com a naturalidade de uma bailarina em seu passo de balé tornado exímia perfeição de tanto executá-lo. Lembro do conhecido vídeo da moça carioca racista gravado nos anos 80, em que ela esbraveja contra pobre, dizendo que as praias do Rio deveriam ser fechadas e frequentadas apenas pela elite, que pobre é sub-raça, e penso: será que estou me tornando assim? Será que eu entrei na loucura de pensar que eu não sou pobre? Será que, ao desprezar com solene resignação o ato do meu conterrâneo no carro à frente, eu me tornei um racista, um estúpido elitista, um obtuso idiota? Será que eu estou criticando demais o brasileiro, como se eu estivesse me colocando do lado de fora da brasilidade? Alerto-me diante os sinais de que a loucura nacional chegou a um nível tamanho que me faz duvidar se eu estou certo, se afinal os que vociferam Bolsonaro não estão certos. Lembro do filme "A fita branca", e o terror que mora perenemente em meu peito dá um salto, pulsa com maior presença. No povoado alemão do filme, o massacre vai se consumando sem que as singelas e dignas pessoas que ali vivem suspeitem que estão sendo enredadas, coaptadas, transformadas em assassinas. Não há o que fazer aqui. Eu penso em meus filhos e um fagulha da única esperança ressurge, a de que eu possa, na idade certa deles, retirá-los do país, levá-los para um país digno, exilá-los para sempre longe daqui.

3 comentários:

  1. Penso que Bolsonoaro é o vosso candidato presidencial conservador/religioso. Suspeito que o título corresponde ao país preferido certo? Como cidadão Canadiano sinto-me orgulhoso, mas por lá também há problemas, além do frio... não há sociedades perfeitas.

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    1. Meu país preferido é a Escócia, mas o Canadá vem em segundo. E pensar que tem um filme do Terry Gilliam em que o Brasil é o símbolo de uma utopia perfeita.

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  2. Escócia está entre os lugares que pretendo visitar em breve, vamos a ver se esse sonho se concretiza, mas os sonhos são tantos.

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