Toda a humanidade veio de uma tribo de sete mil negros que morava na costa oeste africana há 200 mil anos.
Nós só pudemos nascer e estarmos vivos graças à mitocôndria, uma organela que habita as células e é responsável por minuciosas funções indispensáveis, e que só existe na embriogênese pelo óvulo, nunca pelo espermatozóide. Ela é trasmitida única e exclusivamente pela mulher.
A fibrose cística, uma doença devastadora e fatal, é uma herança genética restrita a europeus e seus descendentes. Ela só se manifesta como doença se pai e mãe forem possuidores do gene correspondente, caso contrário, foi a sua presença recessiva no dna que fez com que milhares, ou talvez milhões de pessoas, sobrevivessem à peste negra. Seu comando genético determina a retenção de sais no corpo, o que impediu que o sintoma de diarréia intensa advindo com a peste matasse seus portadores.
Sendo simploriamente conciso nas conclusões suscitadas por esses dados, todos nós somos negros, somos femininos, e temos milhares de doenças escondidas em nosso genoma que tanto podem ser nosso holocausto quanto nossa salvação. E mesmo assim, estão disseminados pela sociedade, na história, nas religiões, no comportamento, na política e no pensamento midiático o preconceito contra negros e outras discriminações "raciais" estúpidas, o ódio contra as mulheres e a eugenia contra os fragilizados e "diferentes".
Por isso eu disse para a Júlia, quando nós iniciamos a leitura do soberbo O gene, do Siddhartha Mukherjee, de onde vem os dados acima, que este é um dos livros verdadeiramente religiosos. Se houver um propósito maior e mais sublime na nossa espécie tão combalida pelo ódio e pela ignorância, está aqui, na simplicidade chocante do nosso genoma (que é quase idêntico ao do verme), nessas zonas de silêncio e nesses espaços vagos na catedral genética. Tudo o mais é a procura e a ânsia por saírmos do atraso milenar, do estarrecimento da existência que ainda compreendemos de modo tão errado. Mukherjee está repetindo o que vem sendo dito desde os profetas judaicos, desde Platão, Kafka, Einstein, etc.
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