sexta-feira, 20 de maio de 2016

Lendo Vozes de Tchernóbil

O livro em companhia de "nossa" gatinha vira-lata Bel, que com suas astúcias carinhosas já mora aqui em casa há mais de um ano.


Estou apaixonado por essa autora. Estou lendo avidamente o Vozes de Tchernóbil (mania esse revisionismo de acentos nas palavras russas: antes era Chernobíl, Checóv, Karenina, Karamazóv, agora são outras sonoridades completamente diferentes). Que livro, senhores! Não esperem história acadêmica ali, nem erudição filosófica cartorizada. A profundidade inigualável desse livro está no sentimento humano, na pureza do olhar, o olhar que extravasa a tragédia, a omissão, a política assassina. Neste livro se diz coisas tão espantosas que assustamos por enxergá-las inseridas na trivialidade, como essa: os radioisótopos espalhados pelo acidente permanecerão pelo planeta 200 mil anos, são imortais comparados a nós. Esse livro, para mim, é o alívio gratificante de encontrar uma resposta ao documentário da BBC sobre Tchernóbil que eu assisti há 2 anos, que mostra os generais soviéticos computando todas as vidas perdidas na indiferença acintosa dos monumentos aos heróis: Svetlana restitui a riqueza humana desses assassinados e desses suicidas, nega-lhes a frieza das estatísticas. Um livro que todo mundo deveria ler, imediatamente. O sarcófago, a estrutura de aço construída em torno do reator 4 de Tchernóbil, expiou seu prazo de validade nesse ano, 30 anos depois. Se as chamas tivessem alcançado os outros três reatores, teria sido, literalmente, o fim da humanidade, a nossa extinção. 4 dias depois do acidente, nuvens de Césio-137 e Urânio-235 expelidas em Tchernóbil já estavam na China, na África, e pelos céus de vários países europeus. As narrativas desse livro_ impressiona saber serem colhidas em entrevistas, devido suas altas qualidades literárias_, mostram o quanto devemos nossas vidas ao sofrimento e morte dessas pessoas. É simplesmente um livro sublime e vasto. A Companhia das Letras prometeu publicar toda a bibliografia da autora.

7 comentários:

  1. Li O fim do homem soviético, desta escritora, uma sequência de desilusões, só recolhe escolhe desiludidas com o antes e o depois da mudança de regime, nesta obra deve ser ainda mais deprimente.

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    1. Literatura perturbadora, mas com muita ternura e aquela inexplicável esperança subjacente.

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  2. Esse trecho é bem bonito: "[...] Eu conversava com pescadores junto ao rio e eles me contaram: 'Nós esperávamos que nos explicassem pela televisão, que dissessem como nos salvar. E as minhocas. Minhocas comuns. Elas entravam na terra, desciam fundo, meio metro, talvez um metro. E nós não entendíamos. Nós cavávamos, cavávamos. Não conseguíamos nenhuma minhoca para pescar'.
    Quem de nós é o primeiro, quem está mais sólida e eternamente ligado à terra, nós ou eles? Devíamos aprender com eles como sobreviver. E como viver."

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    1. E o "A Guerra Não Tem Rosto De Mulher" já está disponível para pré-venda na Travessa, Charlles.

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    2. Acho que todo mundo que sublinha livros sublinhou essa parte. Eu o fiz, a lápis.

      Já comprei o meu na Amazon.

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  3. A Elena saiu pra rua nom Primeiro de Maio. Veio uma nuvem escura e choveu durante a passeata. Quando as pessoas olharam, a chuva tinha feito queimar a chaminé que se via no Dnieper (acho que é este o rio que passa em Mogilev). Sim, a chuva fez queimar. E ninguém sabia de nada. Devia ser um incêndio. Uma semana depois, ela se apresentou na zona onde só os soldados entravam. E ninguém sabia de nada. Anos depois, podes imaginar o medo que a Elena sentiu quando nasceram seus dois filhos. A primeira em Minsk e o segundo em Manaus?

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