segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O dia



Há um texto autobiográfico do Camilo José Cela, fantástico escritor lamentavelmente esquecido, que me marcou muito. Conta da vez em que ele se introduziu um supositório sem a ajuda da esposa. Ele pergunta a ela se era natural que ardesse tanto, ao que descobre, encabulado, que não havia retirado o papel alumínio. Li esse texto na casa dos meus 20 anos, e foi inevitável pensar que eu desejava um amor desse para mim. Há 3 anos, com um desagradabilíssimo problema de fístula no esfincter, obtendo a carinhosa ajuda da Dani com um supositório, me veio num átimo (é assim que o dizem, mas o preenchimento automático do celular desconhece a antiga palavra) a lembrança do texto do honorável espanhol. “O Cela amor! O Cela!”, lhe disse exultante, feliz por a situação me revelar que o desejo do grande amor realizado é uma iluminação que desconsidera o pudor de se as calças estão bem amarradas na cintura. Como a Dani está acostumada com minha vida na realidade paralela da literatice, aceitou como mais uma das minhas esquisitices. Enquanto ela me introduzia, eu disse que a amava muito, e ria igual a um doido da insegurança de interpretação da coisa. Mas completei com a recomendação de que ela tirasse o embrulho metálico. É bom demais ter por quem aguentar o dia.

Daqui.

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