segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Os livros que eu gostaria de ler se tivesse doze anos



Este é um dos textos pelo qual mais recebo elogios por e-mail. Escrevi-o em um ambiente de hostilidade, e longe de casa. Sentia-me então tão pra baixo, que liguei o computador e pus-me a escrever sem planejamento e intenção nenhuma. Senti que se tratava de um dos momentos pessoais raros em que a escrita vinha para me aliviar. Poucas vezes aconteceu tal coisa. Como frequentemente acontece, quando o releio, não o meço pelas qualidades literárias, as quais não vejo muitas, mas pelo grau de honestidade. Os textos honestos, inclusive com coragem para evidenciar suas fragilidades, são os mais poderosos. 

Ontem o Rui veio aqui em casa. Foi embora hoje. Saímos só nós dois, demos volta na praça, fomos a uma espécie de mirante de onde se vê toda a cidade. Não houve muito diálogo. Mas houve harmonia. Eu via no olhar dele a confiança. E as coisas estavam bem mais felizes, no íntimo. Era como se ele tivesse lido meu texto. Eu jamais lhe mostraria meu texto. Não por vergonha ou coisas afins, mas que é parte da filosofia minha que meu textos pertencem a uma dimensão pessoal irrevogável. Eu cheguei a esfregar-lhe os cabelos quando entramos no carro para a volta pra casa. Ele se deslumbrou com as três estantes da minha biblioteca. Hoje, quando ele entraria no carro para ir embora, eu o levei lá e lhe entreguei três livros. Três livros longamente pensados, os livros que eu gostaria de ler na idade dele, aos 12 anos. Dei-lhe o melhor volume de contos de Chécov que tenho, e A metamorfose, e Ratos e homens. Chécov, Kafka e Steinbeck. O primeiro lhe pega pela ternura seca, o segundo lhe desperta o esoterismo através da visão brutal dos muros do presídio, e o terceiro é a aventura humana profunda que lhe atiçará a vontade de partir para os outros tantos grandes autores que terá pela frente. Depois (juro!) que percebi que os dois primeiros foram realmente minhas leituras aos 12 anos. Só Steinbeck que li depois dos 20.

Ele não fala nada de si mesmo. Sua avó é que nos conta que ele lê muito, que ele recebeu pelo segundo ano consecutivo o diploma de melhor aluno da turma, que ele lhe confessa o desejo de ser médico e escrever um livro sobre sua vida. Eu pergunto que livros ele tem em casa, e percebo que a falta de jeito dos familiares lhe dá a velha ração de livros indigeríveis da antiga literatura nacional. Eu entrego esses livros e ele os olha, e percebo o fascínio. É como se ele mexesse um saco de misteriosos brinquedos artesanais mágicos, que é a sensação que eu sempre tenho diante livros e sempre terei aos 80 anos. Uma felicidade boba, engrandecida, ingênua. Sempre será ingênua. É a ingenuidade que não morre nunca. Eu lhe dou um abraço, nada de procurar aproximações com o abraço que ele me deu aos 3 anos, e ele me envolve molemente as costas. Tímido incorrigível.

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