quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Bloqueio de leitor

Coates e seu filho Samori


Estou no vácuo entre a leitura que se acabou e a nova que começou. Bloqueio de leitor existe: estou na centésima página de A história secreta, de Donna Tartt, mas sentindo que eu posso abandoná-lo a qualquer momento. Pego o livro e ele não me dá prazer; sento-me na biblioteca com o volume aberto nas mãos e tenho a sensação de que não estou lendo. Não me empolga. Falso demais, tudo bem que se pode aguentar, mas possui um americanismo juvenil quase insuportável por ser deslocado da imagem com que o romance é vendido. Ele é vendido como um calhamaço erudito, com inequívoco pendor à atmosfera inglesa, algo num estilo Henry James moderadamente pop. Mas é uma mentira descarada: trata-se apenas de um best-seller como qualquer outro, apenas com o requinte de ter entrado na lista de maneira inesperada. 10 milhões de exemplares vendidos. Devo esperar alguma coisa? Só encontro chatice juvenil e a prosa morna e ruim de sua autora, a qual já estou familiarizado com o também passável O pintassilgo. Vou ver no que dá, embora seja grande a chance de que vou atirá-lo para um canto, ainda mais se o novo Bellow chegar nessa semana.

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Caminho dez quilômetros todos os dias, religiosamente. Há uma represa próximo aqui de casa, cuja volta completa é de um quilômetro e cinquenta metros, e eu dou dez voltas nela, o que demora cerca de uma hora e quarenta minutos. Começo às seis da tarde. Já faz três meses que readquiri tal rotina, e hoje ela está tão solidificada que se tornou um vício. Só é possível graças a meu smartphone, para o qual achei uma segunda utilidade além de falar com a Dani quando estamos longe um do outro. Ouço música pelo fone, é esta a outra utilidade. As dez voltas passam ligeiras devido a isso. Conforme a música, meu passo se apressa: semana passada ouvi Asian Dub Foundation e Widespread Panic, ótimas trilhas sonoras para caminhadas, o que me fez atingir uma velocidade próxima à corrida. Ontem ouvi três álbuns do U2. Ouço constantemente a discografia do Led em uma semana de caminhada. O que percebo é que tais eventos assumiram um status de reavaliação de meu gosto musical. U2 me pareceu artificial, super-produzido e perecível. É ruim essa lucidez, e contra ela me impus escutar a banda para provar que eu estava errado. Um monte de gente caminha na represa também. É o ponto turístico da cidade. Nessa concentração por defender meu gosto da juventude contra mim mesmo, só na minha volta de número 8 percebi que quase todos haviam sumido de uma hora para outra. Olhei em torno à procura dos personagens habituais, que trocam cumprimentos comigo com a mesma celeridade dos peixes no aquário de O sentido da vida, e foi aí que vi o tumulto de carros, pessoas, sirenes e motos na avenida paralela à represa. Carros de polícia e ambulância. Movido pela curiosidade, fui ver o que era. Informaram-me que um motoqueiro havia caído da moto e tido sua cabeça esmagada por um caminhão de gado, há meia hora. Avancei pela multidão e vi a moto branca caída e o corpo coberto com uma lona negra; o caminhão parado a cem metros para frente. No dia anterior, um colega de caminhada me fez retirar o fone de ouvido para me dizer sobre o relógio de energia da represa que se aquecera demais e pegava fogo. Ontem, voltei e concluí minhas outras duas caminhadas. O rapaz da moto tinha 17 anos. Hoje vi seu facebook: os mesmos penduricalhos emotivos sem surpresa de fotos com bebidas, mulheres; os mesmos comentários de que "virou uma estrela" e "está num lugar muito melhor".

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Meu bloqueio de leitor me dá vantagem com as tantas Le Monde e Piauí com que estou atrasado. Não achando o clima para me envolver com os tantos livros que me esperam, procuro compromissos menos exigentes. Hoje mesmo li toda a última Piauí. Há um ensaio de Ta-Nehisi Coates que vem de encontro com minhas confabulações sobre o quanto não somos donos de nossos próprios corpos, fruto da influência de Günter Grass (aliás, a leitura compulsiva de livros sequenciados de autores como Grass é um perigo: tudo o mais depois fica parecendo um tanto tolo e vazio, e mesmo bizarro). Coates se perde em seu texto, procura usar a digressão de forma inteligente mas dá para ver a errada de mão. Mas tem bons lances em seu texto, boas reflexões e uma indignação honesta. Ele é negro, e fala, a título de conselhos para seu filho, da paisagem memorial inextinguível que enquadra o negro nos mesmos esteriótipos da escravidão e da execuções pelas forças do estado. Boa parte do texto é sangue puro, escrito em um nível elevado. Peca, como eu disse, pela dissipação. Ele centra sua demonstração de como o tempo não passou na prova de que os corpos dos negros não lhes pertencem em uma sociedade de massacres velados e maquiados pela mídia e pelos tribunais de juris como a sociedade dos EUA. Coates procura justiça pela execução de um amigo da faculdade, um negro de 1,90 metro de estatura, gentil e intelectual, cujo futuro no estudo de humanas era promissor, e que foi morto pelos tiros desferidos contra ele por um policial, este também negro. O final do texto é uma adstringência de força diante a sensaboria dos outros textos dessa edição da revista: Coates investe contra a sagração das vítimas do World Trade Center; manda à merda bombeiros, bandeiras e slogans. Fico com a vontade de ler Coates, e espero por novembro, quando o livro do qual faz parte o ensaio será lançado aqui pela Objetiva (o livro irá se chamar Entre o mundo e eu).

O texto de Coates fica gigante perto dos ensaios de Michel Laub e Olavo Amaral, que estão na revista. O do Laub é melhor escrito, mas a o tema sobre a Legião Urbana é tão derrisório que se apequena diante a angústia humana legítima de Coates. Enquanto Coates fala de suas memórias juvenis, utilizando a imagem da descorporização, Laub perde quase o dobro de páginas falando sobre suas angústias médio-classistas de adolescente quando perdeu a virgindade e fumou seu primeiro cigarro de maconha. Repito: é um ensaio muito bem escrito, muito inteligente, e muito interessante, mas para mim assustador. Laub fala ali de mim; não há uma palavra que ele diz nesse texto que eu já não conheça profundamente e de antemão. Posso dizer que a mesma cultura e vivência que Laub teve, seus mesmos conflitos nacionais, eu os tive milimetricamente. Esse ensaio de Laub é o retrato de um vazio planificado, um vazio sério que deveria ser execrado e estudado com artimanha, um vazio político e uma segregação social etária sentida com enorme poder dentro do Brasil. E esse é o pecado, ou a extrema limitação do texto de Laub: o tema que ele usa tem a mesma intensa comburência do texto de Coates, fala de uma violência e opressão símiles, mas Laub desperdiça tudo contando sobre uma banda de rock datada e sua paixão pelo vocalista dela. Primeiro: a mim é taxativo que ouvir quaisquer das bandas de rock nacional fundadas nos anos oitenta, após os quarenta anos, é de um anacronismo e atraso sem tamanho. Com tantos sinais estridentes cobrando um mandar à merda de Laub, como fez Coates dos bezerros de ouro da opinião pública de seu país, e ele se restringir a um tolo artigo de fanzine, é algo profundamente lamentável. Eu vi o quanto minha juventude foi uma luta semi-consciente individual para fugir da opressão maior descambada pela mídia televisiva e fonográfica, eu que desde quando, em meu comportamento de rebanho, me vi esperando o radialista anunciar a canção Será para gravá-la em uma fita cassete, tinha a intuição de que cumpria meu papel de palhaço alienado desviado da crítica contundente quanto a um país construído para que eu não tivesse voz. Em determinado trecho do artigo de Coates, ele está sentado diante os degraus do prédio de subúrbio miserável onde morava no nascimento do filho, e ele se recorda que foi a última vez, antes do advento do download, em que ouviu certa canção popular. Passou vinte anos até que ele pode ouvi-la novamente. Aqui ele usa o entulho midiático como mais um promotor de reflexão sobre a complexa condição do negro na América. Laub se comporta apenas como um alvo fixo imutável desse entulho, ainda que ele tempere seu texto com os penduricalhos acadêmicos distintivos sobre escola de Frankfurt e beire aquele empolamento retórico proparoxítono tão cansativo e conhecido para dar maturidade ao menos estética ao que escreve.

O outro ensaio, do médico Olavo Amaral, é ainda mais em cima do muro e sanitizado pela compreensão irrestrita à indústria farmacêutica, embora seja vendido pela revista como um tempero contra a ganância que rege tal indústria. A "experiência" voluntária de um médico, que é o autor do texto, em participar de uma semana de exposição de stands de produtos medicinais de todos os tipos. Ao longo do artigo, Amaral colhe mais de oito quilos de brindes desses stands, e narra tal coisa com a mesma superficialidade apolítica e a-histórica de quem julga que a mera menção ao problema já satisfaz o discurso. O artigo é anunciado como matéria principal em letras maiores na capa, O lobby dos remédios, mas é tão somente um diário de um profissional que só simula ter alguma atitude crítica quanto ao conceito popular de como a medicina é exercida no Brasil, regida por interesses escusos que subjaz a saúde e o conforto dos doentes e composta por uma severamente vigilante restrição elitista. O médico nem sequer insinua a complexa subtração que está por debaixo dos panos da medicina brasileira, e no final do diário ainda faz uma conciliação nos moldes de as necessidades da indústria farmacêutica em ser assim para poder promover maior desenvolvimento científico na descoberta de novos remédios. Esse número da Piauí salienta o quão pobre está a crítica em todos os sentidos no país.

45 comentários:

  1. Eu te avisei que você ia detestar A História Secreta. Há de se reconhecer, no entanto, que é mais bem escrito que o best-seller usual, independentemente de sua pretensão literária. Do lado de um Joel Dicker da vida, Tartt é um Proust.
    ***
    Nas últimas semanas andei lendo sistematicamente as piauís que perdi nos últimos anos. Ela, junto com a Serrote, é uma luz sobre nosso filistinismo cotidiano. Me disseram que nessa última tem um ótimo artigo sobre borboletas, ainda por cima - o que é bem importante - feita por um dos caras da revista. Você leu?

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    1. Realmente. Mas é enervante o atestado frequente de vendas do livro: ele já começa com um prólogo rápido de uma página em que se conta que o tal do Bunny foi assassinado. Fiquei sem entender esse spoiler já imediato, mas depois caiu a ficha: a Tartt ficou com medo de que as primeiras páginas do romance fossem muito herméticas e cultas, e lançou essa rendição ao leitor comum. O problema de seus livros é esse, já dito por mim em outra ocasião: o alvo é o leitor mais comum possível. Realmente a mulher tem talento, mas se empobrece voluntariamente. E tasca adolescentes bebendo desbragadamente. Estou vendo a hora inevitável em que eles entrarão nas drogas.

      Tem uma interessante matéria sobre borboletas sim. Um caçador arrependido.

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  2. Caro Charlles, vc conhece o Sufjan Stevens? Em termos musicais ele é uma das grandes descobertas desse ano pra mim; ouvi primeiro o álbum Illinois (2005) que é ótimo, mas queria indicar mesmo o último álbum, Carrie & Lowell, que é uma preciosidade.

    https://www.youtube.com/watch?v=JTeKpWp8Psw

    Acho que será uma bela companhia para suas caminhadas...

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    1. Não conhecia, Diego. Vou testá-lo nas caminhadas. Obrigado pela sugestão.

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  3. Charlles, eu li faz alguns anos a "história secreta", na época eu gostei bastante, mas desde que ela lançou "o pintassilgo", eu relembrando do enredo, me fez ver como era bobo e tremendamente pretensioso, a propósito, acabei de ler o conto "a enxada" do Bernardo Élis, e é de fato tudo aquilo que tu descreveste, numa postagem antiga.

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    1. Uma coisa eu gostei em O pintassilgo: o apartamento abaixo da linha da escada em que mora o artesão antiquarista, deste personagem e da menina de cama que gosta de Arvo Pärt no ipod. A atmosfera do apartamento é muito acolhedora, e o antiquarista é um charme. Mas aí... vem a Tartt estragar tudo varrendo todos eles para debaixo do tapete, para entrar naquelas partes intermináveis do narrador e do russo louco se drogando em Las Vegas. É uma descompressão violenta, sair do clima intimista de poeira, livros, Mahler e móveis antigos, que é o que eu realmente procurava no livro (porque foi vendido assim), e ir para Las Vegas (LAS VEGAS!!!! Não tinha nada mais anti-clímax).

      A Tartt perde autoridade com isso. Há páginas boas sobre literatura grega no início de HS, mas o leitor é levado a descartar a seriedade ensaísta delas porque sabe que a autora é um produto de mercado bem definido.

      Não falei sobre A enxada? Um conto destes, e ter que ser um blogueiro metido a besta para trazê-lo a pessoas amantes de literatura como você e mais outros. Isso deveria ser patrimônio cultural.

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    2. Eu gostei tanto do conto, que mês que vem agora, devo encomendar uma antologia dos melhores contos dele, editado pela editora global, afinal, pelo que eu me lembro são 3 ou 4 contos muito bons que você disse que ele escreveu, um deles eu acho que é "Nhola dos Anjos e a cheia do Corumbá ".

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    3. Há um outro conto estupendo dele: Ontem, como Hoje, como Amanhã, como Depois.

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  4. A História Secreta é um ótimo thriller, principalmente na primeira parte. O problema é que quiseram transformar o livro em alguma outra coisa, mais "séria", porque são estudantes de grego e tal. Os Luminares é melhor. O Pintassilgo é melhor.

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    1. Não conhecia esse Os luminares, Paulo. Pesquisei e fiquei muito interessado.

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  5. Não li ainda, Ricardo. Aproveito aqui para falar que, ao procurar a recomendação do Paulo sobre Os luminares, tive um presente: descobri o blog/Face/twitter de Camila von Holdefer. Se vocês não conhecem, apesar da audiência dela ser muito grande, vão lá. A Camila é uma apaixonada por literatura e tudo em volta dela respira literatura. Ela é muito boa.

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  6. Porque hoje é sábado
    deixo aqui um adágio.

    ADÁGIO
    by Ramiro Conceição

    Quando o mundo é uma
    merda, da merda se faz
    fortuna.

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  7. Comecei de vez a ler Graça infinita. Com esses livrões a leitura só pode vir de supetão. Aconteceu como me aconteceu com o Homem sem qualidades. Havia programado ler Musil dali a dois anos, e uma bela tarde estava folheando e logo vi que estava casado com ele até o final. Assim me aconteceu com GI, nesta semana. O livro é realmente sensacional. Estou sublinhando para lembrar quando terminar e for escrever sobre ele. Uma das primeiras partes sublinhadas é na página 37, em que o Galindo arranja de traduzir um diálogo usando uma música cantada pelo Jair Rodrigues e outra da Legião Urbana. A primeira impressão é ficar decepcionado, mas aí a gente se lembra que é um procedimento aceitável na tradução_ eu preferiria que viessem as frases musicais originais em uma nota de rodapé; mas aí a gente se lembra da questão econômica: teria que ser em dois volumes e por um preço ainda mais anticomercial se fosse comportar as notas do tradutor. É o típico livro que o sujeito obtuso desiste nas 4 primeiras páginas e sai falando mal, que não é literatura, que é uma empulhação e um tremendo cheque sem fundo_ e demais ssóismos. Estou na página 100, e me divertindo pacas. Um livro tão fulgurante, um amor tão profundo pela vida e pelos detalhes, e o cara se mata_ é o que me vem a cada página.

    Não conhecia a editora Carambaia. Mas foi a ideia que eu dei aqui em outro post: publicar escritores esquecidos. Essa editora faz isso, além de títulos esquecidos de escritores famosos. Nathaniel West! Ninguém lê Nathaniel West! Mas ali publicado com requinte e com gentileza, a gente cria interesse. Jogada genial de marqueting. Talvez os preços estejam um tanto altos, não sei. Talvez não precisasse de tanto requinte: achei a capa dos artigos do Proust meio brega. Eles deveriam investir em menos luxo e mais arte gráfica: se eles bolassem algo venial e charmoso como as edições da Penguin para essa coleção de escritores esquecidos, o custo benefício seria maior, o lucro maior, a distribuição maior. Fiquei interessadíssimo no Proust, mas sei que a capa de ouro e o exagero vai destoar tremendamente na minha estante, pois o volume não tem essa importância toda. Cores douradas e ostentação para apreciadores de livros não cai bem. Eu havia aventado a ideia de que todas as capas dos escritores esquecidos fossem negras.

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  8. Não suporto esse tipo de tradução. E o Galindo se esforça nesse sentido. Parece-me que o cara quer inovar na obra... Por isso não gosto nenhum pouco. Prefiro que saia seco, mas o mais fiel possível ao original...Acredito que Galindo siga a escola de Donaldo Schuler. Vejam como esse camarada "inovador" iniciou Finnegans Wake: rolarriuanna e passa por Nossenhora d'Ohmem's (...). Agora olhem o original: riverrun, past Eve and Adam's (...). Mais adiante ele me enfia um Brás Cubas no texto...Pra mim isso é o fim da picada. Conspurcou a obra. Enfiar goela abaixo Jair Rodrigues e Legião Urbana é ter muito desrespeito com o autor e com o leitor, principalmente. Por isso tenho evitado, na medida do possível, as traduções de Galindo. E sem falar que o cara se acha o melhor tradutor do mundo...Essa conclusão tiro dos textos que ele escreve no blog da cia...

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  9. Vejo que é admissível pela tradição no Brasil. Já comentei aqui meu espanto ao ver um ditado nordestino (nordestino brasileiro) na boca de um dos personagens de Crime e castigo pela editora 34. Vou confessar que também me desgosta imensamente tal coisa. Apesar de meu respeito pelo Galindo, concordo com você sobre esse procedimento irritante, e que vem crescendo. Não considero nem de longe que a tradução do Ulisses dele seja a melhor. Mas ele tem seu valor; acho que não merece esse repúdio não.

    Pô, Ricardo. Finnegans Wake pode ser o milagre que for da tradução mais fidedigna, sempre vai ser outro livro absolutamente diferente nas traduções.

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  10. Brás Cubas, Jair Rodrigues e Legião, o leitor_ e trata-se de um leitor com elevado grau de exigência, tratando-se dos livros em que essas abominações aparecem_ se sente flagrantemente no papel de otário. Lembro uma vez em que fui atendido por uma mocinha bonitinha em uma livraria do shopping; eu estava manuseando o Dom Quixote, e ela para na minha frente e diz: "Esse é o mais recente lançamento do autor, e está muito bom!". Essas traduções me fazem sentir sentir constrangido da mesma forma.

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  11. Tenho uma profunda suspeita de que acontece alguma neura grandiloquente bastante grave com alguns tradutores. Uma doença ainda não diagnosticada que só dá em tradutores. O último tradutor do Quixote que nós temos, por exemplo, escreveu um texto esculhambando as outras traduções do Quixote, mostrando pau a pau trechos das traduções, e... acintosa e sem o mínimo senso do ridículo, colocando a sua própria tradução como a melhor. Daí apareceu nos comentários alguém lá desbancando a duvidosa tradução dele, feita naquele estilo deletério de "tornar a linguagem da obra totalmente acessível aos jovens", e mostrou o vídeo daquela vlogueira famosa (não me lembro o nome) em que a vlogueira compara as traduções dessa obra de Cervantes, colocando a deste tradutor como a menos recomendada. Quando estive em uma livraria fiz a comparação entre a do Molina (a melhor e mais fiel, e a única que vem bilíngue, o que já atesta a sua garantia), a original e a desse tradutor. A dele é descaradamente mutilada para caber na mente de um leitor hipotético com a idade de 13 a 17 anos, e que possa achar que Cervantes é parceiro de gíria, de humor capenga e imediatista, e descolado.

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  12. Pois é, traduzir FW de fato é tarefa hercúlea, mas porque o cara inventa justamente quando não precisa inventar? Augusto e Haroldo de Campos traduziram trechos do livro e foram muito mais felizes, na minha opinião.
    Aí eu me pergunto? Não vou ser exigente por quê?

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  13. Cervantes parceiro da gíria hahahaha, essa foi boa, o que um cidadão não faz pra vender um pouco mais....

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  14. Pô, os livros da Carambaia são caros demais mesmo. Esse Proust de 200 páginas até me interessou, mas é o mesmo dinheiro que dei em dois Darnton e um Diamond pela Amazon esses dias. Pra mim não rola.

    Eu acompanhei lá sua briga com Ssó. Você é terrível, hehehehe.

    A primeira vez que me incomodei com isso foi quando ainda era criança e vi uma referência a Faustão numa dublagem dos Simpsons. O problema com esse tipo de coisa é que o leitor dificilmente vai achar natural a referência a Legião em DFW. Automaticamente ele vai querer saber o que está no original, ainda mais em eras de youtube. Bem, é preciso ver o caso, mas pior ainda foi o Schiller de Backes com 200 notas em 200 páginas (Júlio César foi um imperador romano blablabla).

    Já José Francisco Botelho estudou ritmos populares brasileiros pra traduzir Chaucer. Pô, isso eu acho sensacional.

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  15. As frases citadas de Graça infinita são as que seguem:

    '"Prepare seu coração", a voz ao telefone disse. "Pras coisas que eu vou contar."
    [...]
    "Eu tenho muito tempo", Hal disse baixinho. "Temos todo o tempo do mundo."'

    Ficou estranho, não?

    O tal tradutor quer impor a visão dele. Fez uns dois textos citando meu nome e me esculhambando. Tripudiou até sobre a coerência léxica de um comentário meu, colocando isso no texto. Um amigo me mandou, na época, um e-mail falando que achou a atitude dele bastante sem educação e ofensiva, mas eu levei no bom humor. Eu sempre mencionei ele aqui no meu blog com respeito, ressaltando minha completa não concordância com as ideias dele. Mas quando eu comentava lá, o cara respondia naquele tom de que "você é um completo idiota e não entende nada". Achei o cúmulo da falta de auto-crítica o texto em que ele despreza as outras traduções e COLOCA A SUA COMO EXEMPLO. Foi demais. Eu apenas respondi, em miúdos, que o Molina, se visse aquela perseguição contra ele, iria rir enternecido.

    E aquela apologia auto-condescendente de humor superficial que ele faz como termômetro para a boa literatura é um porre.

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  16. Errata: E aquela apologia auto-condescendente do humor superficial que ele faz como termômetro para a boa literatura é um porre.

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  17. Se alguém tiver aí o livrão do Wallace no original, esclareça pra nós. O trecho está no mini-capítulo "9 de maio- Ano da Fralda Geriátrica Depend", página 37 na tradução brasileira.

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  18. Li o Quixote na edição da L&PM e não pretendo reler por tão cedo, mas acho muito bom que saia o Novelas Exemplares pela Cosac na tradução dele. Salvo engano, a última havia sido aquela da Abril Cultural, e Ssó aparenta ser um ótimo tradutor.

    Penso que o cotejo de traduções ficaria interessante com qualquer livro (como ele fez recentemente no Sul21), menos com o que ele mesmo traduziu. O mero fato de apresentar uma nova tradução de um clássico já indica a intenção de preencher alguma lacuna, seja de mercado, intelectual ou até pessoal, vai saber. Contrastar publicamente suas qualidades com os defeitos alheios o transforma num daqueles pais corujas, sempre elogiando, porém incapazes de notar imperfeições nos filhos. Mas me lembro também que você tinha "chegado de voadora" lá, pra usar uma expressão local. Achei a peleja da "vaca boba", mas não encontrei essa das traduções. Tem link?

    Ah, eu mesmo falei da maldade em revisar seu comentário publicamente. http://charllescampos.blogspot.com.br/2014/11/lendo-musil.html Curiosamente, falávamos de traduções.

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  19. Fui lá ver, e que surpresa ao ver que ele apagou todas as caixas de comentário!

    Você não viu foi o texto sobre as traduções comparadas? É este aqui:

    http://www.sul21.com.br/jornal/a-lacraia-conversivel-ou-o-submundo-da-traducao/

    Sem birra nenhuma da minha parte, mas não o considero bom tradutor não.

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  20. Avoadeira? O sujeito se expõe dessa forma e não quer ser criticado? Apenas falei o que eu penso, que a tradução do Molina é bem superior à dele. Leia o texto: ele usa de bastante má fé ao colocar pequenos erros de tradutores famosos. Se os próprios escritores erram (um exemplo: nos livros da Editora 34 já me deparei com diversas notas dos tradutores sobre erros do Dostoiévski), porque não os tradutores? Coisas que deveriam ser consertadas pelos revisionistas, ele utiliza como peça de acusação.

    Uma das melhores tradutoras do Brasil é a Lya Luft. Ela fez excepcional trabalho com Grass, Musil e Mann. Há um texto elegante de Marcus Mazzari falando sobre os deslizes de tradução de Luft em Um campo vasto, do Grass. O próprio Mazzari ressalta o valor de Luft, apontando que tais erros se devem ao limite da edição brasileira da obra, o fato da obra ser recente e carregada de inextrincáveis referências históricas, literárias e políticas da Alemanha. Não tenho o link porque copiei o texto em meu computador e já o li diversas vezes durante minha leitura do romance. Chama-se "Um romance de vasto assunto".

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  21. Peraí, Paulo... O texto da lacraia é o que você se refere sobre a vaca boba né? Procurei e procurei o texto das comparações auto-laudatórias do Quixote e não o encontrei. Foi retirado. Sinal de bom senso tardio ou temor judiciário.

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  22. Tenho que retificar (entrando agora na página 162 de GI): o Galindo é um puta tradutor, sim. O Ulisses da Bernardina é o melhor, mas o Wallace nas mãos dele é uma festa.

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  23. Eu gosto da tradução do Ssó. Deixa o cara expor a opinião dele. Se ele se propôs a fazer a tradução é porque entendeu que tinha algo novo a acrescentar. Ninguém é obrigado a concordar, mas eu prefiro as soluções dele.
    Sou assíduo aqui do blog, mas penso que o Charlles por vezes polemiza sem necessidade. Por gostar mesmo, pelo exercício da argumentação. No fundo isso me incomoda um pouco, acho meio exibicionismo. Só como exemplo, fico meio ofendido quando diz que quem gosta das soluções do Ssó para o Cervantes tem perfil adolescente.
    Mas continuarei acompanhando o blog, claro. Só queria expor minha opinião. Abraço a todos.

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  24. Mas exibicionismo, maledicência e vaidade são os fundamentos da escrita, Leo. O que posso fazer? Está na raiz tanto desses meus comentários quanto nos textos citados desse tradutor.

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  25. Mas confesso que me incomoda também esses extrapolamentos que faço nos comentários. Vou parar com isso.

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  26. Eu li o Quixote na tradução do Visconde de Castilho, e gostei bastante, eu só compraria outra edição se fosse para ter uma edição luxuosa com as gravuras do Doré, existe uma edição da itatiaia que eu fico salivando, mas o preço dela não ajuda muito.

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  27. A propósito Charlles, aquela vlogueira famosa fez um vídeo sobre o livro do DFW, se tiver paciência e tempo dá uma olhada, ela meio que desce a lenha no Galindo e na editora. https://www.youtube.com/watch?v=auuEiJmNBQI

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    1. Caramba, Tiago, vi o vídeo da Tatiana sobre Graça Infinita. Tatiana é dessas mulheres que quando zangam com uma pessoa acabou, são inimigas para sempre e cultivam um rancor apaixonado. Galindo para ela é o demônio na Terra. O mais engraçado é que aqueles tantos comentários que se seguem ao vídeo, pretensamente fazendo bullying com o Galindo (repetindo em uma jocosidade imbecil a frase "tamanho boquinha"), é o tipo de comportamento de massa, descerebrado e vazio, que o DFW e seu livro criticam. Grande parte daqueles avacalhadores nunca lerão DFW, e se tentarem, a chance de entendimento é mínima. Se reparou bem, as esculhambadas chauvinistas que a vlogueira dá da "péssima tradução" do Galindo, são respondidas por um ou outro mais ponderado entre as centenas de asneiras concordantes. A mulher não sabia que existe um chocolate Dove, interpretando como um erro do Galindo por não reconhecer o Dove sabonete. Não se deve menosprezar a esse nível a experiência pessoal de alguém_ se não me engano, o Galindo morou fora do Brasil um bom período. Conheço umas duas mulheres como a Tatiana, inimigas vorazes, que contam a cada dia a dose de desprezo programada a ser oferecida a seu desafeto. É quase uma forma de amor louco.

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  28. Charlles, não vou entrar na liça esboçada…. Mas será que você não exagerou um pouquinho? Pois além de um julgamento técnico negativo - sobre o referido tradutor – houve também de sua parte um julgamento moral: você o acusou de má-fé. Isso não seria um descomedimento, Charlles?

    Às vezes na internet escrevemos coisas que se tornam dúbias devido à limitação do meio; no geral, escreve-se rápido e sem muita reflexão. Às vezes, na rede, em defesa de uma argumentação destaca-se os pontos que interessam e desprezam-se os contrapontos. Aliás, isso é muito próprio de nossa espécie.

    Quando soube da tradução do Quixote, em questão, tal notícia, para mim, veio com boas-vindas, pois fundamentalmente quem ganha com isso é a cultura brasileira. Se aqui ou acolá ocorreram imprecisões, certamente serão eliminadas em edições posteriores ou, quem sabe, em outras futuras traduções.

    A tradução do Ulisses, da Bernardina, pareceu-me excelente. Todavia, em MUITAS passagens me deparei com nebulosidades, acredito, oriundas da própria nebulosidade proposital de Joyce. Mas o que importa, afinal? Ora, as próximas gerações de leitores, em português, terão o privilégio de analisar três versões da obra máxima do irlandês. É pouco? Não, é extraordinário.

    Por que estou a escrever isso? Porque sinto que no Brasil parece haver uma necessidade cultural de se atirar pedras pra todos os lados, inclusive na própria cabeça. Um exemplo? Tom Jobim. O que já li de deletério sobre Jobim, elaborado por brasileiros, é inacreditável.

    Bem, é quase isso…

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  29. errata: é "despreza-se os argumentos" (tá vendo, errei...).

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    1. Um tradutor de uma obra clássica como o Quixote relacionar os clássicos com a palavra chatice, dizer que é um recurso válido e usual pular páginas dos clássicos na leitura, afirmar que gostou assim-assim de Os demônios, de Dostoiévski, mas com ressalvas; e que direto diz que sua intenção em traduzir o Quixote é tirar o empolamento da linguagem e salvar o humor de Cervantes. Leia os post que fiz usando o cumpade aqui para vc ver que eu não o desrespeitei:

      http://charllescampos.blogspot.com.br/2012/12/348-paginas.html

      http://charllescampos.blogspot.com.br/2013/11/duetos.html


      É um sintoma do debate sobre cultura no Brasil o amaneiramento e as sensibilidades excessivamente vulneráveis à ofensa. Minha opinião sobre o cumpade é essa. E seria má fé se eu fizesse um texto aqui comparando meu blog ao do Milton e ao do Cassionei, me colocando como melhor. Má fé um tanto de infantiloidismo dos mais tolos.

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  30. Salve, Charlles. Olhei aqui a versão que tenho do Infinte West, do DFW.
    Pois bem, eis o trecho já debatido aqui, no original:

    'I want to tell you,' the voice on the phone said. 'My head is filled with things to say.'
    (...)
    'I don't mind,' Hal said softly, 'I could wait forever.'

    Verifiquei que todas essas frases são versos de uma mesma canção dos Beatles: I want to tell you.

    Sobre a questão, opino como leigo: especialmente no Graça Infinita, não me incomodei com os versos de Legião Urbana e de Jair Rodrigues, ao contrário, isso só me divertiu. Deu uma certa, digamos, graça, ao texto.

    Aliás, Graça Infinita foi o livro mais divertido que li desde Dom Quixote, lido há uns 15 anos.

    Nesse momento, influenciado por você, divido meu pouco tempo de leitura entre O homem sem qualidades (no kindle) e o Absalão, Absalão (na recente versão da cosac).

    Fico bem embevecido lendo essas obras magníficas, de modo que agradeço pelas indicações.

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    1. Uma maravilha isso aí, George! Beatles! Sabe que a dúvida estava me incomodando tanto que pedi o Infinite Jest pela LC. O livro é magnífico, cara, estou absolutamente envolvido. Fiquei até altas horas essa noite o lendo. Com o original em mãos, ficará outro deleite tirar as dúvidas sobre a tradução. E sim, o trabalho do Galindo está maravilhoso, não tem como não se deslumbrar.

      Obrigado aí.

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  31. É sempre bom vir pra cá, te ler de novo. Sua safra recente está estupidamente boa. Venho dividido entre trabalho e hospital (meu irmão lá já vai fazer quatro meses) e aí não leio tanto quanto quero. Dá pra chamar de bloqueio. Penso agora na minha estupidez de achar que, no início, o quarto de hospital seria perfeito pra ler. Chegando lá relembrei e despertei meu medo infantil de médicos. Estranho é que nunca escrevi tanto quanto nos dias que passo a noite lá, o cagaço serve pra alguma coisa.

    Tenho andado tão desligado que só agora te lendo fiquei sabendo do menino afogado. A falta de comentários ali na postagem não significa nada além de não haver o que ser dito -- ao menos não por agora: todo mundo tem é que se recolher, começar e engordar seu próprio texto expiação.

    Da Donna Tartt eu li os dois, The Secret History e The Goldfinch, e gostei mais do primeiro aí que você anda lendo. Disse por aqui já que o problema dela é a propaganda escrota, que mentiu tanto na minha cara a ponto de minar qualquer possibilidade de gostar do que está escrito. Acontece muito quando leio americanos de agora -- quase nenhum é bom o suficiente pra bater as promessas. Este ano, só amei mesmo o Last Stories and other stories do William T. Vollmann e o Can't and won't da Lydia Davis; o Orfeo do Richard Power é muito bom também mas o cara já escreveu muito acima do nível desse mais novinho.

    Não tenho tido tempo pra baixar o Robert Walser e sair caminhando por aí, mas:

    1 - mas quando faço não ouço música, guardo pra quando estou em casa, mais especificamente sentado chão do banheiro, que é o lugar mais fresquinho daqui nesses dias de calor fodido. Já faz um tempo que só ouço Frank Zappa, que é Deus, e por isso estou plenamente satisfeito musicalmente. E Surfjan Stevens é muito bom também;

    2 - mas deu pra ler o Absolutamente nada e outras estórias traduzido pelo Sérgio Telarolli, e o livro é uma DELÍCIA!

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    1. Mais da DT:

      é como se fosse assim:

      leu primeiro The Secret History = então ele é melhor que The Goldfinch; o primeiro lido foi The Goldfinch = então ele é melhor que The Secret History.

      Os dois com a mesmíssima formulazinha. Você lê o primeiro que ler, acha passável, e o segundo é invariavelmente idiota -- será só mais-um-da-Donna-Tartt.

      Sobre o Ssó, bem, ele parece um tradutor competente, ou ao menos passa essa ideia, ainda não li pra ver se gosto. Falou um bocado sobre Guimarães Rosa que na época me fez achar ele (o Ernani) francamente burro, mas algumas considerações dele (como a de um texto recente em que ele inverte uma sentença dum dos gregões, sobre a superioridade da tragédia em relação à comédia) que atenuaram a minha raivinha boba. A arrogância tá lá, é claro -- já espero disso de todo mundo que trabalha no mundo das letras. A minha vida inteira escutei que a leitura faz a pessoa melhor, mas o meu viver mesmo sempre me provou que os lidos são os piores.

      (Se é verdade verdade mesmo eu nem me incomodo. O que importa é que essa crença dobra a alegria que dá quando me aparece uma exceção pra foder com a minha teoria.)

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    2. Terceiro comentário seguido: feliz em saber que esteja gostando do livro do DFW! Quando terminei de ler o bichinho comecei a reler na mesma hora. É muito bom. Parabéns pro Galindo.

      Lembro de você ter comentado que estava lendo O Livro do Desassossego. Quê que achou, Charlles?

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    3. Muita coisa aí, João.

      Primeiro: que bom que tenha comentado. Hoje mesmo estava pensando por onde andava.

      Não vou ser invasivo perguntando o que acontece com o seu irmão. Espero sinceramente melhoras. Passei por esse período de dormir em hospitais, e é angustiante de uma forma que só sabe quem passa. No fundo no fundo dessa angústia, ainda há uma possibilidade de conforto para a leitura, no meu caso quando a Dani estava boa de novo e convalescente. Escrevi sobre isso aqui, talvez se lembre.

      Bom, meu ano foi de Günter Grass, a redescoberta e o novo apaixonar. Se eu puder te recomendar algo nesse sentido, compre por 6 ou 8 ou 10 reais o Gato e rato, pela Estante Virtual. Garanto que vai te fazer chorar e te deslumbrar.

      Vou pesquisar sobre esses nomes que escreveu.

      Havia me esquecido desse lançamento do Walser. Então lançaram mesmo? Mais um para o desfalque nas contas.

      Não acredito mesmo que os homens cultos ou das letras sejam piores. Tais amargores não passam da velha paixão pela literatura. Engraçado como isso é tolerado no futebol, com inimigos discursivos que estão sempre se entendendo, mas na literatura parecem sentenças de discórdia sérias.

      Há uma cena linda na autobiografia de Amós Oz, De amor e trevas, em que o menino Oz descreve o relacionamento de ódios e invejas entre dois vizinhos intelectuais, vamos chamá-los de X e Y. Os dois eram inimigos confessos e tal. Oz estava tendo aulas particulares com X. O Y lançou um livro, que após algumas semanas de total indiferença em que o livro encalhou na livraria da cidade, o livro subitamente vende todos os exemplares. O autor fica exultante, sai em euforia pela cidade e pensa no quanto seu inimigo ficará acabado com essa nova perspectiva de seu sucesso sobre ele. Oz chega à casa de X para receber uma aula particular e, no intervalo em que o professor vai até a cozinha, descobre todos os exemplares do livro de Y que havia encalhado na livraria na biblioteca. Péssima descrição minha de uma cena muito tocante de um livro sensacional (estou cansado agora, me perdoe).

      Li muitos textos do livro do Pessoa, esporadicamente. Vou lê-lo sistematicamente ainda não sei quando. É uma obra-prima, claro. Há passagens ali grandiosas. Algumas delas me incomodaram pela apologia à mediocridade, uma nota renitente nesse Pessoa. Sinal de que gostei.

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