Levei a Júlia ontem ao zoológico. Ela passou toda a semana repetindo até os limites de nos deixar loucos que queria ver a girafa e o pavão. Quando chegamos às duas grandes construções rústicas onde a girafa dormiria em pé, minha irmã soltou na bucha, sem saber das expectativas da Júlia, que a girafa havia morrido. Nunca vi a reação da Júlia antes: ela caiu em um choro profundo que eu precisei pegá-la no colo e a consolar, dizendo que nem eu sabia, e que pelo visto a girafa tinha morrido há anos. Outra decepção foi que o bicho mais próximo que encontramos de seu amado pavão foi o groo, com sua coroinha arrepiada de rei caricaturesco a quem enganaram que algum dia teria súditos que o levariam a sério. Não gosto de ir a zoológicos. O ambiente é bonito, descontraído, mas a agonia da prisão daquelas feras, que o público tenta eufemizar para seus filhos de que se trata de uma condição bem suportada para fazê-los felizes, me deixa pra baixo. O mais triste foi me aproximar daquele portento empoleirado no alto semi-escondido de sua grande gaiola, antes uma sombra misteriosa cujo silêncio agravava ainda mais a impressão aterrorizante de seu tamanho, e ver que era a harpia. Que animal lindo! E que animal triste! Resignado em sua benemérita ignorância quanto ao empobrecimento de toda sua astúcia e fúria divinas, ali parado, olhando imóvel o mesmo ponto. Só soube que não era empalhado porque uma fímbria da inerente curiosidade fê-lo mover a majestosa cabeça quando alguns pássaros vira-latas passaram, livres, pelo céu acima. Na placa de apresentação, minha angústia aumentou: ele foi encontrado ferido, vítima de disparos de espingardas de chumbinho. Não li até o final quando provavelmente se dizia que ele ficara incapaz de voar. Voar mais pra quê? Horas depois, na Fnac, encontro por cissiparidade de sentidos aquele livro que eu procurava por anos, o Bartleby da Cosac, o livro brinquedo que a gente descostura e corta as páginas. Comprei-o, uma das mais impactantes e geniais histórias sobre a condição humana, genialidade absoluta. E tudo a ver com a harpia, que dentro de si seus mecanismos fisiológicos diziam para a selvageria mutilada que "prefiro não fazer", olhando o muro que há diante sua grandeza cortada violentamente.
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A harpia em sua tristeza tristíssima |
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O livro-brinquedo da Cosac. Nunca haverá outra editora igual a Cosac. |
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O muro de Bartleby |
Bela crônica, Charlles...
ResponderExcluirAs frases mais curtas e objetivas tornaram o texto mais dinâmico.
Sem dúvida, você está a encontrar seu estilo. Antes, você escrevia em montanhas russas... Agora, com a elegância dos felinos a procura da caça...
O alimento está nas palavras.
É só um texto escrito às pressas, sem nenhuma pretensão. Escrevi-o para o Facebook, mas resolvi postá-lo aqui. Mas meu estilo já encontrei, e é justamente aquele da montanha russa. Tortuoso. rs.
ExcluirO meu facebook é para textos rápidos, despojados, sem a mínima intenção literária, como notícias da minha vida que se prega em uma geladeira imaginária, rápidos e escritos ao calor do momento.
ExcluirMas, amigo poeta, que tristeza ver essa harpia. Dá o que pensar.
(Eu tenho alguns amigos que leem o blog, e já me disseram não terem conta no Facebook. E que lamentaram quando da minha aventura pelo twitter, temendo que meus textos do blog se rareassem. Senti como uma traição se deixasse esse post apenas lá no Face, por isso o publiquei aqui. Como disse, um texto rápido. Tudo o que tiver mais que duas dez linhas que eu publique lá, publicarei aqui. Não gosto também do Face_ ouço o riso de mofa da Caminhante me acusando de hipocrisia_, mas aquilo lá realmente é um ótimo referencial para quem quer se auto-promover. A audiência aqui dobrou, sem exageros, desde o Face. Não que fosse essa a minha intenção.)
ExcluirPor não usar o face como rede social (amigos pessoais, parentes, conhecidos), e sim como uma rede intelectual, você tá juntando só o fino na lista de amigos lá, ein?
ExcluirEntrei no face da Caminhante (cujo nome eu desconhecia) e vi uma imagem legal, "paradoxo de Epicuro". Ateu convicto, eu simplificaria a questão na primeira proposição: em vez de "O mal" colocaria "Deus".
"Deus existe".
"Não".
Mas não divertiria ninguém, hehehe.
O Face e o blog_ e o twitter_ da Caminhante são pontos diários indispensáveis. Não sei o que ela faz para ter acesso a tanta coisa dispare e interessante. Me lembra o Allan Bloom do romance do Saul Bellow, que vivia no centro de uma conexão global em que todo tipo de informação lhe chegava.
ExcluirSó li a primeira novela do Conexão Bellarosa. Quando comecei a segunda, o priminho de meu filho faleceu num acidente de carro (sem cinto), uma tragédia. Só consegui ler T.S. Eliot nessa época. Foi em janeiro e, pra falar a verdade, só agora tou me lembrando que ainda tenho que terminar esse livro...
ExcluirEnfim, eu me sentia assim quando frequentava o blog de Daniel Piza. O cara conhecia tudo, falava de tudo, tava ligado em tudo.
Lamento, Paulo.
ExcluirNa seção "influências do Paulo", me chegou hoje o livro da Ginburg, as pequenas virtudes, e eu já estou pra lá da metade. Que livro lindo!
Tudo ali é obra-prima. As descrições que ela faz dos ingleses e da Inglaterra é impagável.
ExcluirMeu texto favorito é o primeiro da Inglaterra. Eu li o livro em Brasília, cidade muito fria pra um sertanejo baiano.
Excluir"O povo inglês desconhece o espanto. Jamais vira a cabeça para olhar o próximo na rua".
Sim, charlles, não te aventure demais por lá, pra não o perdermos aqui hehe
ResponderExcluire gostei da tua resposta ao ramiro. estou aqui pela montanha russa.
Júlia querida.
E pra ficarmos com as crianças, esta aqui eu trago do face, Gil cantando pro neto:
https://www.facebook.com/gilbertogiloficial/videos/1199039126807673/
Sem chances de me perder para aquilo lá.
ExcluirBartleby eu li mês passado após me deparar com um ensaio do Agamben sobre a potência do conhecimento. Coisa fina esse livrinho! (sem trocadilhos)
ResponderExcluirFalando em facebook: te encontrei Charlles, por acaso, perguntando sobre um lançamento do Andrei Platonov no facebook da Dennise Bottmann. Fiquei curioso sobre o livro.
Como disse lá, o Joseph Bródski, ensaísta que respeito demais, escreveu que Platonov é o maior escritor russo do século XX. Chegou mesmo a dizer que Joyce e Kafka ficavam no chinelo perto dele. A escavação, que é seu romance anunciado para esse ano pela 34, é tido como sua maior obra. Então, é muito motivo para festejarmos. Platonov no Brasil!!!
ExcluirAhn? Charlles no facebook? QUEEEEE? Voltou ou nao pro twitter? (Volta!)
ResponderExcluirMas pera ae, terei de tomar jeito, nao é possível, to transtornado aqui, lets make internet great again
Me adiciona, Matheus. Pfff... eu disse isso? Cada vez me sinto mais estranho.
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