sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Catástase

 


Eu sempre fui um metafísico. Minha mãe me disse no princípio: "Deus existe, deixe de ser bobo". Vendo o mundo destruído e já indo para a falta de eufemismos consoladores, essa foi a melhor herança. E o pai nosso, que virou um mantra no silêncio amplo do quarto escuro. Não vejo recursos terrenos, mas rezar me restitui algo inverbalizável. No fundo, e na superfície, toda minha ânsia por cultura é a ânsia pelo significado. Eu acho todo livro tolo demais. Alguma nuance do não dito deve ter, e por isso os anos gastos destrinchando por milhares de páginas a busca de uma palavra. Meu filho na praça foi chamado por um garotinho que vive lá à solta para lhe acompanhar no celular. Meu filho se levantou sem entender e deixou o menino, e foi cuidar dos seus afazeres majestosos com galhos e bugigangas. Eu não me arrependo de ter meus filhos. Seria como me arrepender do ar. O que concebo, em segredo, é a opção de ter mudado de ideia se hoje fosse cogitar ser pai. Esse é o mundo, essa é a franca estupidez, essa é a opacidade a que chegamos. Eu sinto muita vergonha de mim quando vejo meu filho brincando. Vergonha por me condoer de tanta esperança nele. Eu ter a audácia de suspeitar que ele é que está errado mostra o quanto eu mesmo me rendi. E eu volto à minha mãe, que sempre teve esperança, mesmo em seu último suspiro, a esperança plena. E ela me revelou que Deus existe. E eu, por ser filho, por ser parte ineludível e indissociável de sua carne, aceitei sem questionar. Que fim terrível eu teria tido se ela fosse maculada pelo academicismo e pela sofisticação intelectual, e me tivesse retirado deus. Eu não teria parado de beber. Eu teria ensinado meu filho a seguir o garoto com seu celular. Quem sabe os dois infantes sozinhos na praça, abandonados até a hora do jantar. Nesse mundo, o que resta? Duas formas de loucura, e me foi dada a mais corajosa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário