quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

A verdadeira vida de Sebastian Knight



Terminei hoje A verdadeira vida de Sebastian Knight, de Vladimir Nabokov. Como tudo relacionado a esse autor, estou bastante embevecido mas com uma indeterminada impressão de logro. Tem partes tão maravilhosas e belamente escritas que, sem dúvida, é a melhor coisa que li dele: mas não muito, fica um tanto apenas acima das memórias e dos contos. Embora não seja tão exuberante quanto Lolita, é nítido o ébrio e inatacável deleite que movia o autor em seu ofício. Nabokov escrevia com incrível alegria; imagino o estado em que deveria ficar quando encerrava o expediente, com a nítida certeza de ter vencido o mundo ao qual não sem espanto tinha que retornar após a recolhida labuta. Aliás, aos grandes escritores como Nabokov não cabe a palavra "labuta"_ nunca caí nessa mentira de que a escrita para eles é um martírio. Ele brinca, ri como um louco excessivamente inteligente, se entrega a todos os tipos de descomposturas: é uma criança em sua própria órbita, em que nada fora dela tem a ver com ele. A impressão de logro é suscitada pela adivinhação de que para ele bastava esse jogo estético intrincado, essa música em que fazia sua desforra com toda a escrita tão disciplinadamente estudada em seus intensos anos de leitor. Há uma suspeição de falta de experiência espiritual que tornaria a arma de seu talento incontestavelmente legítima, e por isso o que o leitor vê é uma vingança sistemática contra todos aqueles escritores cuja a História não privara do exílio purificador, contra todos que não foram atirados ao confinamento mais estúpido de todos em um Estados Unidos que nada poderia oferecer ao espírito, como ele o fora. Lendo esse romance, compreendi melhor as 200 páginas de road-movie, sem sentido e gratuitas, em Lolita, em que se pretende retirar a película de intranscendência da paisagem americana e tentar inutilmente ver alguma redenção nos hotéis de beira de estrada e nas cidadezinhas afundadas em uma chuva entediante e estupidificadora: ali Nabokov tentava chegar à frente do ambiente carregado de generosos significados de seus gloriosos conterrâneos falecidos em um país que não mais existia e do qual ele fora expulso sem tempo de reavaliar suas sensíveis novas diretrizes: seus amados Tolstói e Turguêniev, e seu farsescamente admitido como adversário impróprio, Dostoiévski. Há uma certa tristeza por detrás dessa felicidade narrativa inexorável, a mesma tristeza que derruba o observador enternecido com a prodigiosa imaginação de uma criança solitária. 

12 comentários:

  1. Fala Charlles! Heitor aqui. Melhor comentário que já li sobre a obra do Nabokov. A verdadeira vida de Sebastian Knight talvez seja o livro mais conciso do Nabokov. Alguns o consideram como sua real obra prima. Outros falam de "Fogo Pálido" e outros do sádico, doentio e exuberante "Lolita". Acho que o Nabokov só perde pra Kafka no quesito romances autobiográficos. Charlles, vou te fazer uma súplica. Quando puder vá na Estante Virtual e compre "Pnin". Romance sobre um professor universitário russo que imigrantes para lecionar nos Estados Unidos. É um livro impecável. A profundidade que Nabokov alcança naquele livro é algo a ser considerado e admirado. O pano de fundo é o fluxo de consciência e a carga afetiva do personagem: A universidade, a casa que ele sempre aluga e sempre se muda e aluga outra, os seus colegas de trabalho. Tudo diz mais sobre o próprio Pini do que sobre qualquer outra coisa. E o narrador... Não posso contar. É em terceira pessoa em é fundamental para o desfecho da história. Sim... o narrador. Por favor, leia.

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    1. Ótimo! Convenci por esses dias o Milton a ler "De amor e trevas" do Amós Oz. Um escritor não tão falado ou lido quanto deveria. Pelo menos por aqui. Lestes mais algo dele?

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    2. Leo, gostou do "De amor e trevas" ou de "Pnin"?

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  2. Será que este post levar-me-á a finalmente a ler o escritor Nabokov? Pelo menos fiquei curioso.
    Lolita, continuo a recusar-me ler.

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    1. Carlos, eu recomendo que comece pelos contos. Nabokov é excelente nas short stories. Dos romances os meus preferidos são Sebastian Knight, seguido de Pnin e Riso no escuro. Podes começar também por "A pessoa em questão" ou, recentemente republicada pela Alfaguara: Fala, Memória: Não tem erro... É sensacional. Lolita foi o último livro que li do escritor e é escrito de uma forma que desperta, no meu caso, mais sentimentos de pena e compaixão do que nojo. É um profundo estudo semiótico e psicológico de um personagem com desvio de conduta. Enfim, espero que leia Nabo. Mais um para contemplar esse grande escritor. Abraço.

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    2. Carlos, Sebastian Knight é um diamante. Vai sem medo.

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  3. Tô com o Sebastian esperando em primeiro lugar na fila de leitura, deu até vontade de atropelá-la. Gostei da coincidência.

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