Sem exceções, todos os homens da família da minha mãe, uma ora ou outra na vida, já destruíram suas vidas por conta de sexo. Há inúmeras histórias sobre esses homens que começam nelas como desbravadores incautos, animais superiores com amplos recursos de competição, e terminam em camas de hospitais, no bilhete não escrito do suicídio tentado, na bancarrota financeira, na separação de filhos e esposas. Entre eles, literalmente, dois ficaram loucos: um deles deixou tudo que tinha e sumiu no mapa, tendo-se notícias não confiáveis de que vaga pelo sul do país, em estado de semi-indigência; o outro ficou em coma por dois meses, depois da surra do marido da amante, e quando acordou a primeira coisa que disse, ainda entubado, era que precisava sair dali para ir atrás daquela que era o amor da sua vida.
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Todos eles, uma ora e outra, confessaram sem mistérios para mim que o sentido de suas vidas era "a buceta".
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Um desses tios, quando se deparou com uma namorada minha saindo da casa da minha mãe, me chamou de lado com a cara séria de quem iria me dar um profundo conselho filosófico, e me disse: "Fica de olho nela, porque senão eu como".
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Daí fica fácil entender que desde criança, despertada em mim a sexualidade, eu vi a obsessão sexual como uma sina a qual eu deveria combater. Senti o furor da co-sanguinidade avuncular tentar várias vezes me atirar no fundo desse poço. Todas as pessoas tem muitas histórias escusas para contar sobre sexo. Todas. Talvez seja o assunto mais rico para a literatura. Meu pai certo dia quis me ensinar sobre masturbação, enfiando a mão dentro de minha calça e me afagando com carinho didático. Eu fugi e encenei assombro sobre o que era já uma prática adquirida que eu conhecia há tempos. Muitas vezes na adolescência aquilo me cansava; eu repudiava sem nenhuma força de vontade o que eu sabia ser um fator fisiológico vazio, bestial, que a evolução havia exagerado demais em seus símbolos e seus terrores como se não confiasse nem um pouco que nossa espécie teria ensejo por conta própria para prosseguir se reproduzindo. Freud e todas as patologias mais grotescas surgidas por conta do sexo na verdade traz a assinatura paradoxal de que a evolução supervalorizou o fetiche do sexo temendo que as raízes perniciosas da filosofia ascética e da contemplação esotérica no homem o extinguisse pela ausência da libido. Sexo não traz redenção. É uma estupidez certos gurus, escritores e religiosos acreditarem que o sexo é divinatório. Sexo só é destruição e morte, escravização cultural e de gênero, infantiloidismo do envelhecimento que não se aceita.
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Minha primeira vez foi aos 15 anos, com uma prostituta grávida de seis meses que me convenceu facilmente a não usar camisinha. Estava eu na companhia de dois amigos, no puteiro histórico mais pérfido da capital, hoje fechado há muito tempo. Um amigo me aconselhou ficar roçando o bico do peito para facilitar a excitação. Todos nós estávamos ali para perdermos a tal virgindade. Eles foram primeiro, cada um de supetão, vencendo o enorme terror, e escolheram suas mulheres. Fiquei por último, pensei em fugir e mentir depois, já que não havia testemunhas. Mas fui. Cegamente. Ela estava escorada na parede, falando com um rapaz, e se surpreendeu quando lhe perguntei se ela poderia... Levou-me até a porta do quarto, e, com uma singeleza que denunciou que ela era também bastante infantil, perguntou se não se importaria com sua gravidez de seis meses. Aí que eu vi sua barriga. Eu me desculpei, disse que não tinha visto, que não dava, e já me afastava quando ela me segurou pelo braço e pediu um misericordioso "por favor". Fiquei com pena dela e de mim, e entrei no quarto, me despi, e ela pediu que fosse sem camisinha, pois a machucava. 1989, a AIDS em todo vigor, e eu aceitei. Talvez porque queria acabar logo com aquilo, talvez porque tinha absoluta certeza de que não teria uma ereção e isso me salvaria, talvez porque fosse uma das minhas táticas inconscientes para combater o Falo Ancestral assegurando que experiências realistas iria acabar com o fetiche exagerado do sexo. Mas consegui; não senti o mínimo prazer. Meu sucesso foi tanto contra o Falo Ancestral que passei a pensar que a evolução descartava sem muita atenção homens dispostos à assexualidade como eu; em sua eficiência de milhões de anos, o gene vestigial era desprezado com uma matemática facílima, com uma indiferença voraz.
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Demorei 4 anos para voltar a fazer sexo. Minha primeira namorada. Ambos virgens. As primeiras vezes foram catastróficas. Direcionamento manual, complacência, carinhos de consolo. Daí, como se o Falo Ancestral contra-atacasse, de madrugada no SBT vi um filme pornô. Uma suruba de mulheres loiras e homens com cara de eunucos atarefados com desconsolados pênis super-explorados no mercado de trabalho à custa de rebites. Essa namorada, uma loira de um metro e oitenta, se parecia com uma das atrizes. Daí foram 4 anos de sexo intenso com essa namorada. Aonde íamos tínhamos que transar. Uma vez fizemos num estúdio da faculdade de jornalismo. Outra vez na piscina do primo dela. Outra no quarto de um apartamento em uma festa de aniversário infantil de gente que mal conhecíamos. Fiquei tão obcecado que vendi livros do Garcia Márquez por conta de pagar simples três horas em um motel fuleiro. Sei que pouquíssimas pessoas tiveram experiência sexual tão plena quanto eu e essa namorada. Fiz uma sucessão de besteiras no término do namoro. Minha chance desperdiçada de honrar a estupidez dos machos da família. Quebrei o pé e fiquei meses encamado, até que a fúria se escoasse. Não sobrou nada. Fiquei novamente em paz, imunizado.
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Eu tive uma vida sexual movimentada. Até os 35 anos fui um cara bonito. As mulheres que estiverem lendo isso, por favor, não caiam na besteira de me mandarem cantadas achando que sobrou alguma coisa. Hoje sou um senhor distinto, e indisposto a novas adolescências. Mas teve épocas em minha vida que se abriam para mim oportunidades tantas de cometer sandices e destruir-me por conta do sexo. Quando falo em minha luta contra isso, falo seriamente. Fui criado em meio de mulheres, o que me fazia mais consciencioso. Uma vez fui assediado por uma tia de um amigo, uma mulher que eu tinha absoluta certeza de que seria um erro fenomenal. Ela me daria aquilo que costumam chamar entre o credo maçônico de "chá de buceta", e eu me arrastaria a seus pés, venderia minha mãe para poder voltar a lamber os pés dela. Nos encontramos em uma festa, em que eu estava com esse meu amigo, ela me chamou para dançar, me levou a um canto e me beijou. Dessas mulheres em que o homem é que é a mulherzinha dominada. Era uma nêmesis, linda até o podre da alma. Ela me ligava, falava coisas que me deixavam ainda mais recolhido em minha mulherice ameaçada. Marcamos um encontro na porta do apartamento que um outro amigo me emprestara para a consumação de meu defloramento, ela dizendo que seria possível pois seu marido, um policial militar, estaria viajando. Eu esperei ansiosamente uma semana por esse dia e, pausa, não fui. Isso eu tinha 25 anos. Esses dias a encontrei pelo Facebook. Ela estava inchada, com outro marido. Pelo que li de alguns posts, em que agradecia a deus, ela sobrevivera a alguma doença séria.
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Não gosto de pornografia. Não sou desses que olham a bunda de mulheres na rua. Não olho sequer para mulheres na rua. Não gosto de sexo na literatura. Acho chatíssimo sexo na literatura. Como se, existindo literatura entre as abelhas, a experiência estetizada da cópula do zangão antes de ser deportado para morrer fora da colmeia fosse algo passível de significados profundos. O único sexo que dá certo na literatura é a sua contestação, assim Philip Roth, assim Nabokov, assim Houellebecq; o sexo fisiológico, simples e besta, tipo Henry Miller, é descartável, ainda mais na época em que o sexo é escrachadamente visual e gratuito como hoje.
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Teve aquela vez também, em que o Falo Ancestral fez com que eu seguisse o carro de um colega até que ele deixasse sua namorada, que havia me passado um sinal no barzinho que acabávamos de deixar, em casa. O colega assim que dobrara a esquina, ela veio na surdina e entrou em meu carro. Ficamos no agarro várias horas, mas ela disse que só iríamos transar no próximo encontro, afinal toda imoralidade é relativa. Esperei em febre os dias passarem até o domingo marcado, em que eu iria na hora marcada em sua casa. Eu voltava da capital, sob uma chuva violenta, e estava em cima da hora, mas daria tempo. Daí, no caminho, entre duas cidades que ficam num localização anterior à cidade onde eu moro, me deparo com um acidente de carro. Uma caminhoneta capotara. Paro no acostamento e presto socorro ao casal de senhores que estava no veículo. A mulher com escoriações que não pareciam graves pelo corpo, e o homem com a articulação do úmero na escápula aparecendo bem pelo buraco da carne como em um filme de terror. Levo-os para a cidade mais próxima, quase uma aldeia, sem atendimento médico, postos de saúde fechados. Encontramos o médico em sua casa, ele examina, diz que se o homem não obter tratamento imediato poderá perder o braço. Não há ambulâncias na cidade, eu teria que levá-los até a cidade mais próxima. Eu faço isso, mais 120 quilômetros contando ida e volta. Chego em casa quatro horas depois, já noite alta. Ela sequer atende o telefone. Meses depois o casal encontra minha casa e me leva uma cesta de queijos, e quando eu digo que qualquer um teria feito o que eu fiz, o homem terminantemente diz que não, vários carros tinham passado e ninguém tinha parado. Filme do mês: A Batalha Final Entre o Bom Samaritano E o Falo Ancestral.
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Existem as nêmesis. Para cada homem existe um número regrado delas. Em minha vida encontrei uma, uma veterinária com quem me envolvi por oito meses, e que tudo acabou em desgraça. As nêmesis só trazem desgraça, como paga pelo sexo mais infernal e demoníaco que existe. Eu viajava por três horas para me encontrar com essa nêmesis, com uma ereção contínua. Transávamos por horas seguidas, e nunca era o bastante para mim. Lembrava-me daquela piada em que alguém chama o outro de piolho, e apanha sordidamente; o outro pede para ele o chamar de piolho novamente, e ele o chama; volta a apanhar; e assim vai, até que o cara está todo destruído no chão de tanto apanhar, não conseguindo falar mais, e o outro fala: "me chama de piolho agora, me chama", e o cara no chão faz aquele gesto de unha contra unha que as mães fazem quando esmagam os piolhos retirados da cabeça dos filhos. Assim era eu com a nêmesis. Fiquei de olhos fundos, apoplético. Assim vivem continuamente meus tios. Foi a lição de misericórdia que o Falo Ancestral me concedeu, em nosso último combate. Tudo acabou em desgraça, eu quebrei de novo meu pé, como uma tradição de expurgo, e fiquei dois meses acamado até que a compulsão se esvaísse. A gente sabe que foi uma coisa vazia, um estrondo cujo terror demonstra seu histrionismo diabólico justamente por se revelar sem conteúdo depois que passa, pois a nêmesis é plenamente esquecida. Eu nunca penso nela, não sinto mais a mínima atração por ela. Ela é esvaziada tão profundamente no sobrevivente que, entre todas as mulheres, ela é a última que despertaria atração.
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Mês passado eu vi uma outra nêmesis. Assim que entrei nos correios e me sentei esperando ser chamado o número da minha senha, a vi em pé diante o caixa. Uma moça morena, de short, que era invisível para todos os demais, mas que eu não consegui despregar os olhos dela. Retrospectivamente percebi que desde a entrada eu sentira o poder dela, mesmo sem a ver. Eu não me movi, deixei que ela fosse embora, montasse na moto, e sumisse. Não haveria continuação à perrenga do cordel do Bom Samaritano Contra O Falo Ancestral.
(2016)