Listas são coisinhas delicadas, que agradam todo mundo que diz não suportá-las. Pensei e pensei, e acho que, finalmente, cheguei à ordem dos meus 20 melhores romances de todos os tempos, os que mais me influenciaram e moldaram minha visão não só do que é a arte, mas a vida.
1. A Montanha Mágica, Thomas Mann
Esse sempre vai figurar no topo da minha lista. Nunca me senti tão absorvido e deslumbrado por um livro quanto me senti por este.
2. Os Demônios, Dostoiévski
Há um diabolismo perigoso aqui, uma forma de inteligência e uma revelação sobre o homem assustadoras. Da metade para o final desse livro imenso, eu era quase incapaz de ficar quieto sentado ou deitado, tamanha a adrenalina da leitura. O exemplo máximo do suspense. O engendramento progressivo do assassinato que aparece no romance é uma das coisas mais maravilhosas que já vi. Hitchcock é fichinha. Para abalizar minha opinião, Thomas Bernhard teve a mesma impressão quando o leu, e a disse em sua biografia. Assim como ele, ao acabar a leitura pensei que jamais iria encontrar um livro tão bom.
3. Ana Karenina, Tolstói
Não tenho muito o que dizer sobre esse. Apenas um clichê, mas não menos verdadeiros: uma das maiores realizações humanas. Quem ler Ana Karenina e dizer que não gosta, aí é caso para internação.
4. Absalão, Absalão!, Faulkner
Um livro como nenhum outro. Uma força verbal e uma beleza narrativa e reflexiva que me fez pensar que eu seria o miserável mais feliz do mundo se escrevesse igual a Faulkner. Faulkner foi o cara mais feliz do mundo. Se isolar em seu escritório e ter o domínio desse incrível talento, deveria ser um êxtase distintivo igual a nenhum outro. Andar por seus dias famélicos, passar pelas portas dos bancos onde não havia traço de seu nome, e ter consciência de levar o que ele levava... Borges, grande admirador (e tradutor) de Faulkner, expressou bem (claro!) o que uma obra de Faulkner provoca no leitor. Mesmo os mais pequenos romances de Faulkner, ele disse, causam um impacto no final da leitura. A pessoa não sai de um livro dele da mesma maneira que quando entrou. É isso.
5. Tristram Shandy, Laurence Sterne

Quando li Tristram Shandy pela primeira vez, aos 20 anos, eu não acreditei. Depois me perguntam por que eu gosto e respeito tanto a alta-literatura: taí, pelos impactos que ela sempre causa em todos os períodos da minha vida, pelos Alephs que me abre no curto horizonte da mesmice, mostrando que a aparência das coisas é enganosa, que tudo, citando Whitman, são superfícies impossíveis.Li-o em uma biblioteca e à medida que me maravilhava com aquilo, estudava instintivamente recursos de como roubar o grosso volume. Não tinha como enfiá-lo no espaço abaixo da fralda da camiseta e a cintura do jeans, como era meu método de sucesso. De maneiras que, à medida que as páginas passavam, não vi outro recurso que iniciar uma de minhas poupanças monásticas para poder comprar uma edição usada em um sebo. O maior benefício que Shandy fez em mim foi a descoberta de que nada há para se levar a sério, a não ser o humor como método filosófico. Engana-se quem subestima isso. Como Sterne diz no oferecimento de abertura do livro, quem não sorri revela uma doença no espírito. Sterne foi minha libertação. Gargalhar com essas páginas foi minha conversão espiritual. Desde então já não espero o arrebatamento, já o tive. É delicioso o enrolar da trama, que aliás jamais acontece, a infinita conversa entre o narrador e seu tio, as esplêndidas observações. Na verdade é um livro sem tamanho e deveria estar ali no primeiro lugar. Aliás, acabo de ter esse insight: ninguém nunca vai entender Ulisses se não ler primeiro Sterne. Ninguém menos que Javier Marías é um apaixonado por esse livro, tendo ganhado importantes prêmios por sua tradução espanhola dele.
6. Herzog, Saul Bellow
Já falei muito dele aqui, até em resenha própria. Foi um divisor de águas para mim. Mostrou que literatura sublime se faz com qualquer assunto, mesmo com o cotidiano de um judeu burguês e intelectual norte-americano. Só Bellow é páreo para Faulkner. Os dois estão, solitários, no Olimpo dos escritores inalcançáveis do século passado.
7. As Vinhas da Ira, John Steinbeck
Digamos que seja o romance atmosférico manniano das causas sociais. Personagens que ficam para sempre na lembrança, e uma ternura humana poderosa. Do alto da minha masculinidade ostensiva, devo confessar que se trata de um dos romances que me fez chorar. Há um pregador religioso impagável, que nas pregações que fazia citava esse cacoete frasístico de Jesus: Que diabos! Também muito engraçado. Triste e engraçado, à maneira de Chaplin e Twain.
8. Ulisses, James Joyce
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9. O Homem Invisível, de Ralph Ellison

Único romance desse autor negro. Propenso-me a colocá-lo também ao lado de Faulkner e Bellow. Incrível a falha de leitura de alguns autores contemporâneos, sobretudo nacionais, que nunca citam esse romance, demostrando não terem-no lido_ a exemplo a indiferença do mercado editorial, que há mais de 30 anos não relança esse romance. Uma crítica social das mais poderosas, não só sobre a discriminação racial nos EUA, mas sobre a sobrelevação do humano. O negro narrador é quem é o homem invisível do título, não do ponto de vista das assombrações poeanas (como ele afirma em sua primeira página antológica), mas o homem desprezado, exilado em sua própria miséria social. Tem a força lúcida da incorreção política de Os Demônios, pois não eufemiza e heroiciza ninguém; os negros norte-americanos são mostrados em sua bronquidão e ignorância espiritual resultado de séculos de exploração. Na verdade é uma incrível jornada pelos Estados Unidos suburbano, à maneira de Dante, só que em vez da companhia de Virgílio, o narrador, como ele diz, é ciceroneado por Louis Armstrong. Um romance movimentado, com muita luta de boxe, revoluções fajutas e mal intencionadas, mulheres perversas e uma profunda, erudita e inigualável prosa poética.
10. Dia de Finados, Cees Nooteboom
Também pouco tenho a dizer a mais desse. Tem uma resenha sobre ele por aqui. Soou como uma calma e recolhida sinfonia de enorme beleza e confiança.